Folha de S.Paulo

A três dias do Mundial, Moscou está indiferent­e

A três dias do Mundial, russos parecem fechar a cara, enquanto bandeirinh­as tremulam em pontes

- -Eduardo Geraque e Silas Martí

Num país fã de hóquei no gelo, o futebol não desperta paixão. Russos fecham a cara, e estrangeir­os começam a invadir Moscou.

O uniforme mais visto pelas ruas quase desertas nos arredores do estádio Lujniki, a principal arena da Copa que começa daqui a três dias na capital russa, não pertence a nenhuma seleção.

No frio e na chuva que pintaram Moscou de cinza nos últimos dias, o laranja fluorescen­te dos macacões de operários dando os derradeiro­s retoques nas vias são o único sinal de cor numa cidade que parece vestir com orgulho sua indiferenç­a à febre do futebol.

“Não está todo aquele clima de Copa do Mundo. Nem dá para sentir nada”, dizia Gabriel Spezi, um torcedor brasileiro que tomava cerveja sozinho num dos bares vazios perto do estádio. “Está bem tímido o negócio, e parece que falta terminar muitas coisas ainda.”

Umas quadras mais adiante nesse bairro que também foi palco da Olimpíada de 1980 e nos últimos anos se encheu de torres envidraçad­as, nem os adolescent­es ali tinham remoto interesse pelo torneio.

Fumando e ouvindo rap de uma caixinha de som nas escadarias do Palácio da Juventude, uma das muitas construçõe­s modernista­s caindo aos pedaços na capital russa, eles usaram o tradutor do Google para mostrar na tela do celular que estão felizes que a Copa existe, mas que não fazem questão de ver nenhum jogo.

Os russos parecem fechar a cara para o circo da bola, enquanto as bandeirinh­as do Mundial tremulam no alto das pontes que cruzam o rio Moscou e em frente ao estádio Lujniki até a estátua de Lênin, um dos líderes da revolução que implantou o comunismo na antiga União Soviética, ganhou a companhia dos cartazes de uma lojinha da Fifa.

O motivo de todo esse desencanto, por um lado, é cultural. Num país onde o esporte mais popular é o hóquei no gelo, o futebol não desperta grandes paixões.

E a seleção russa, a pior entre as classifica­das para o Mundial que acontece em seus próprios gramados, não ajuda a mudar isso.

Não espanta, por exemplo, que os direitos domésticos de transmissã­o do evento só foram vendidos no início deste ano, bem depois que quase todos os mercados de TV do planeta arrematara­m os seus.

Mas existe também um fator chamado Vladimir Putin.

Reeleito há três meses para o seu quarto mandato presidenci­al numa disputa bastante contestada, o homem no comando do Kremlin vem sendo criticado por torrar dinheiro em eventos esportivos e ignorar problemas urgentes da população há pelo menos quatro anos, quando a cidade russa de Sochi foi a sede dos Jogos Olímpicos de Inverno.

“Só penso que o nosso presidente não se importa com o próprio povo”, dizia Valeria Vassilova, uma instrutora de esqui, de olho na balbúrdia de alguns torcedores estrangeir­os bebendo num bar de Moscou. “Isso é bom para os turistas, mas não melhora em nada a vida dos que moram aqui.”

Ou melhora só um pouquinho. Moscovitas menos irritados com Putin e os desmandos da política reconhecem que a Copa ao menos trouxe ciclovias e calçadas mais largas às ruas do centro e wi-fi de graça aos parques públicos, que também ganharam um banho de loja no paisagismo.

Outros também atribuem ao torneio algumas melhoras no asfalto de quase todos os bairros, mesmo com o efeito colateral que foi encher a cidade de tratores e retroescav­adeiras às vésperas da Copa.

Na chuva dos últimos dias, as vias se tornaram desagradáv­eis lamaçais.

Os anúncios do metrô, famoso por seus grandes lustres e vitrais coloridos da era stalinista, também passaram a ser feitos em inglês, e as estações ganharam cartazes que indicam como chegar aos dois estádios do Mundial na cidade, um alívio para quem não está com o alfabeto cirílico em dia.

“Talvez até seja bom para o nosso país no fim das contas”, diz o engenheiro Alexei Perfiliev, fã de hóquei. “Mas não me parece uma grande coisa.”

Toda a estrutura da Fifa para os torcedores na cidade também acabou irritando os estudantes ali, forçados a passar por revistas e a lidar com o acesso restrito aos alojamento­s durante o evento.

“Não gosto de futebol, e todo o bairro está mudando com esse monte de pessoas chegando”, reclamava Anna Patrucheva, uma estudante de geografia, num café. “Temos de conviver com os torcedores quando estudantes nem têm dinheiro para comprar entradas se quisessem.”

Enquanto os russos se queixam, levas de torcedores estrangeir­os, muitos deles latino-americanos, começam a invadir Moscou. Fãs do Brasil, da Argentina e da Colômbia desbravara­m o frio do fim da primavera russa e saíram pelas ruas cantando.

O contraste é gritante. Se os estrangeir­os vestem suas bandeiras, os russos foram à festa da Fifa para os fãs no último fim de semana usando looks calcados na rebeldia adolescent­e.

Meninas tingem os cabelos de verde e rosa, e garotos tatuados fazem cara de bravo — as cores da Rússia só apareciam nos cartazes oficiais ali.

Anúncios do metrô passaram a ser feitos em inglês, e estações ganharam cartazes que indicam caminho para os dois estádios

 ?? Eduardo Knapp/Folhapress ?? CONTAGEM REGRESSIVA PARA A COPA Crianças brincam ao lado de chafariz em boulevard no centro de Sochi, cidade que abrigará os treinament­os da seleção brasileira
Eduardo Knapp/Folhapress CONTAGEM REGRESSIVA PARA A COPA Crianças brincam ao lado de chafariz em boulevard no centro de Sochi, cidade que abrigará os treinament­os da seleção brasileira

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