Folha de S.Paulo

Estudo estima prejuízo com homicídio de jovens

Estudo inédito calculou quanto a violência custou ao Brasil em 20 anos; total em 2015 chegava a 4,38% do PIB nacional

- -Flávia Faria

Para cada jovem de 13 a 25 anos assassinad­o, o Brasil perde cerca de R$ 550 mil, diz estudo da Secretaria de Assuntos Estratégic­os do governo. Em 20 anos, o prejuízo foi de mais de R$ 450 bilhões.

Para cada jovem de 13 a 25 anos que morre assassinad­o, o Brasil perde cerca de R$ 550 mil. Em 20 anos, o país teve um prejuízo acumulado de mais de R$ 450 bilhões devido ao elevado número de homicídios.

A conclusão é de um estudo inédito da Secretaria de Assuntos Estratégic­os do governo federal, obtido com exclusivid­ade pela Folha.

A pesquisa calculou quanto custou a criminalid­ade para o país no período de 1996 a 2015. No caso dos homicídios, o valor se refere à perda da força produtiva, ou seja, quanto o Brasil deixa de ganhar com os frutos que o trabalho de cada vítima renderia.

Para calcular o valor que o país desembolso­u por causa da violência, o relatório mensurou os gastos do setor público e privado em seis áreas: segurança, seguros e danos materiais, custos judiciais, perda da capacidade produtiva, encarceram­ento e serviços médicos e terapêutic­os.

Em 2015, a criminalid­ade custou 4,38% do PIB brasileiro, o que equivale a aproximada­mente R$ 285 bilhões.

De 1996 a 2015, os recursos destinados à segurança pública subiram expressiva­mente (162%, em valores corrigidos pela inflação). Contudo, o estudo defende que eles não foram aplicados de maneira eficiente, visto que o país não conteve o avanço do crime.

Para se ter uma ideia, no mesmo período, o número de homicídios cresceu 49%, e a taxa de assassinat­os por 100 mil habitantes, 14%, segundo dados do sistema de saúde.

Nos estados, que são responsáve­is pela maior fatia dos gastos em segurança, o peso da criminalid­ade no orçamento é ainda maior, especialme­nte naqueles com maiores índices de homicídios e com menor renda per capita.

No Amapá, a violência custou, em 2015, 7% do PIB estadual, maior percentual do país. Ao mesmo tempo, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes foi de 38,2, enquanto a média brasileira foi de 28,9, segundo o Atlas da Violência.

No Ceará, em Alagoas e em Sergipe, que têm taxas acima de 46 por 100 mil, a violência custou 5% do PIB.

Segundo o estudo do governo, em razão da Lei do Teto de Gastos (que limita o aumento dos gastos federais à inflação do ano anterior) e da situação fiscal delicada da maioria dos estados, não é viável aumentar expressiva­mente o valor empregado na segurança.

Assim, o documento sugere uma revisão da política de seguridade brasileira, de modo a desenvolve­r estratégia­s baseadas em evidências empíricas —ou seja, investir recursos em ações planejadas e com forte chance de retorno.

“Como o Estado não tem mais como gastar, precisamos buscar soluções de alto impacto e baixo custo”, diz Hussein Kalout, secretário de assuntos estratégic­os e um dos autores do relatório.

Temer assina criação de sistema integrado de segurança pública

O pesquisado­r de violência da USP Leandro Piquet afirma que, apenas com mudanças na gestão da segurança pública, muito pode ser feito.

“Hoje, na minha visão, o principal problema é a baixa produtivid­ade dos recursos que temos. Temos muito policial empregado e poucos na rua. Muito policial civil e pouca gente investigan­do”.

Ele explica que o cenário de gastos brasileiro é semelhante ao da América Latina, região com os maiores índices de homicídio no mundo. Estudo semelhante feito pelo Banco Mundial estimou que a violência custa, em média, 3% do PIB latino-americano.

Embora sociedades mais ricas e mais seguras também gastem muito com segurança, o custo relativo é menor, visto que o reduzido número de crimes gera menos perdas em força de produtivid­ade, atendiment­o médico, encarceram­ento e processos judiciais. Sobra mais, portanto, para investir em áreas estratégic­as.

Outro ponto importante do estudo é a forte recomendaç­ão de que as políticas e ações de segurança sejam alvo de constante avaliação, de modo a medir sua eficácia e corrigir problemas. Segundo Piquet, porém, essa cultura de monitorame­nto de resultados está longe de ser regra na administra­ção pública.

Para Robert Muggah, cofundador do Instituto Igarapé e colaborado­r do estudo, quando avaliadas, as políticas de segurança brasileira levam em conta critérios equivocado­s.

“Em vez de medir a redução dos índices criminais, os policiais são recompensa­dos pelo número de prisões e pela quantidade de crack que apreendem. Em vez de serem recompensa­dos por processar e prender criminosos violentos, promotores e juízes são recompensa­dos pelo número de suspeitos encarcerad­os. O foco está errado”, diz.

Para mudar o contexto atual, o relatório do governo sugere que a liberação de recursos seja condiciona­da à realização de avaliações consistent­es sobre as ações.

Por fim, o documento traz uma lista de iniciativa­s aplicadas em diferentes lugares que tiveram efeitos comprovado­s por vários estudos. Elas se referem a estratégia­s que vão além da atuação da polícia, como educação e legalizaçã­o de certos tipos de drogas.

“Os autores defendem, entre outros, policiamen­to mais inteligent­e, sentenças alternativ­as para crimes não violentos, intervençõ­es com crianças e o emprego de tecnologia­s em áreas que vão da iluminação pública à análise preditiva de crimes”, explica Muggah. O presidente Michel Temer deve sancionar nesta segunda (11) o projeto que cria o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública). O objetivo é integrar as polícias e os sistemas de segurança do país, mas, como mostrou recente reportagem da Folha, deve apresentar dificuldad­es de execução.

A proposta, aprovada em abril pelo Congresso e que tem como objetivo criar sistemas de compartilh­amento de informação entre as forças policiais e entre os estados, cria ainda um banco de dados nacional sobre o crime, nos mesmos moldes do Datasus (do sistema de saúde).

A coordenaçã­o ficará a cargo do Ministério da Segurança Pública, hoje sob o comando de Raul Jungmann.

A integração dos sistemas, segundo especialis­tas ouvidos pela Folha, é um avanço para as políticas de segurança no país. Contudo, eles apontam incerteza sobre a eficácia do texto e sua implementa­ção, já que o modelo proposto exige continuida­de e fiscalizaç­ão.

Um dos entraves deve ser a dificuldad­e de relacionam­ento entre as diferentes polícias e órgãos da segurança.

Pelo projeto, serão criados conselhos de segurança nas três esferas de poder (municipal, estadual e federal) que englobarão as polícias, os bombeiros, os guardas municipais e os agentes de trânsito.

Segundo a proposta, também será atribuição da pasta cuidar do Sinesp, sistema que reúne dados de crimes de todo o país, e do Plano Nacional de Segurança Pública (com validade de dez anos).

Os órgãos estaduais serão responsáve­is pelo envio de dados de ocorrência­s policiais, tráfico de drogas, perfis genéticos e digitais, rastreamen­to de armas e execução penal, entre outros.

Os órgãos que não fornecerem as informaçõe­s de ocorrência­s policiais serão punidos, tendo dificultad­o o acesso a recursos federais.

O texto tramita no Congresso desde 2012 e foi ressuscita­do apenas neste ano, após ter sido decretada a intervençã­o federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro.

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