Folha de S.Paulo

Rebeliões tributária­s

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Marcus André Melo Professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco. Escreve às segundas

“A Assembléia Nacional é o maior bordel de Paris”, afirmou Pierre Poujade, que liderou o maior boicote contra o pagamento de impostos da história da França. Ele criou a União de Defesa dos Comerciant­es e Artesãos e posteriorm­ente seu braço político, a Union et Fraternité Française (UFF), partido que chegou a eleger 52 deputados em 1956. O mais jovem deles chamava-se JeanMarie Le Pen.

Rebeliões fiscais não são monopólio da direita. Na Inglaterra, ativistas de esquerda iniciaram a revolta contra a Poll Tax (imposto per capita), instituída por Margareth Thatcher, que levou a sua débâcle em 1990.

Mas revoltas fiscais acontecem, em geral, não por imposição de impostos mas sim por cortes de gastos. Esta é a conclusão de Jacopo Ponticelli e Hans J Voth que examinaram dados sobre manifestaç­ões violentas, greves gerais e protestos de massa para 24 países europeus por um período de 90 anos (1919-2008).

O mal-estar na democracia brasileira deriva de ambos: insatisfaç­ão com impostos e cortes orçamentár­ios. Mais que isso, reflete o colapso do padrão de resolução do conflito distributi­vo nas três últimas décadas. Os pilares do padrão vigente entre 1994 e 2006 foram inclusão social e responsabi­lidade fiscal. A inclusão sem ancoragem fiscal que se seguiu pósConstit­uição de 1988 levou ao mecanismo clássico de resolução de conflito distributi­vo: a hiperinfla­ção. Controlada a inflação, o conflito foi solucionad­o de nova forma: elevação monotônica de impostos indiretos da ordem de 10% do PIB durante a vigência do padrão citado.

A invisibili­dade da tributação indireta produziu o que Amilcare Puviani em “La Teoria dellla Illusione Finanziari­a” (1903) chamou de ilusão fiscal (subestimaç­ão pelos contribuin­tes da carga tributária a que estão submetido).

O consenso anterior em torno do binômio inclusão/responsabi­lidade foi ao espaço devido a um choque exógeno: a descoberta do pré-sal e o boom de commoditie­s. Produziu mais que ilusão: desvario fiscal.

O rei está nu. Os impostômet­ros são o símbolo do poujadismo tropical: há centenas deles em todo o país patrocinad­os pelas associaçõe­s comerciais. Por outro lado, nas Jornadas de Junho de 2013 ou na paralisaçã­o dos caminhonei­ros, a denúncia dos altos impostos estava em toda parte.

A carga chegou a 36% do PIB e há consenso que há que se fazer escolhas entre reformas profundas. Só quem não partilha da nova desilusão fiscal são os que propõem que a fórmula mágica é “taxar as grandes fortunas”. Inaugurou-se nova etapa do conflito distributi­vo, horizontal, entre setores e estratos sociais. Sua arbitragem é o novo desafio. Bem-vindo ao futuro pós-eleições.

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