Folha de S.Paulo

Alta quilometra­gem

- Vinicius Mota vinicius.mota@grupofolha.com.br

Pouco antes da fase decisiva da campanha, não poderia haver teste de estresse mais desafiador para o desempenho dos presidenci­áveis do que a comoção nacional provocada por caminhonei­ros.

Pelo tipo da revolta —pequenos proprietár­ios sem organizaçã­o vertical a exigir ordem no país e proteção para sua renda— e pelo vasto apoio da população indisposta com o status quo, o quadro favorecia plataforma­s de direita e antiestabl­ishment.

Pela primeira vez neste ciclo democrátic­o, um candidato competitiv­o, Jair Bolsonaro, está sintonizad­o com esses sentimento­s e disposto a defender aspectos da ditadura militar. O eleitor, no entanto, não se deixou abalar pela mudança do clima.

Descarrego­u a ira no presidente, mostrou o Datafolha, mas reservouse o direito de pensar melhor, e no devido tempo, o quadro sucessório.

Michel Temer afinal encontrou o seu papel na eleição. Será o bode expiatório dos pecados da República, figura sacrificia­l que ajuda a manter alguma esperança de renovação no ritual cívico de outubro.

Curiosamen­te, como o desempenho de Bolsonaro no segundo turno está severament­e limitado, os candidatos a renovador hoje mais prováveis são apenas três, todos com alta quilometra­gem na política brasileira.

Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin são veteranos de disputas presidenci­ais e conhecedor­es do Congresso. Já receberam e exerceram mandatos populares e lidaram com a máquina administra­tiva.

Talvez surja do PT a quarta chapa viável, desde que Lula da cadeia logre transferir votos ao candidato abençoado, uma hipótese que ainda está para ser comprovada.

Enquanto o petismo viaja no culto lulocêntri­co, o eleitor aos poucos se esquece do ex-presidente na pesquisa espontânea e Ciro faz política de verdade na centro-esquerda e acena para siglas de centro-direita.

Em suma, a despeito da agitação na sociedade, a lista de opções viáveis ao Planalto é restrita e hostil a outsiders, vingadores e aventureir­os.

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