Folha de S.Paulo

Não tem volta

Despertar de junho de 2013 aponta para a ocupação feminista do poder

- Antonia Pellegrino e Manoela Miklos Antonia é escritora e roteirista. Manoela é doutora em relações internacio­nais. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueS­ãoElas

O pacto que norteou a consolidaç­ão das democracia­s de massas pós-1945, isto é, “a geração seguinte irá viver melhor do que seus pais”, certamente está em risco para boa parte dos 99%, no que diz respeito aos avanços econômicos. Mas, em termos do respeito às diferenças, visibilida­de de minorias e redistribu­ição de poder, a gente garante: vai ser entregue. Nossas meninas vão desfrutar de avanços que a nossa geração está construind­o.

As sementes destas conquistas começaram a ser plantadas em Junho de 2013, o ano que não acabou, e que neste mês completa seu quinto ciclo. Sabemos que já havia sinais de um despertar feminista desde a marcha das vadias —que, de 2011 em diante, ganhou parte do mundo ocidental—, mas foi marcadamen­te a partir de 2013 que inúmeros coletivos feministas se formaram no Brasil. O acúmulo destes debates, sobretudo nas redes sociais, desaguou para fora das bolhas até inundar as ruas, com as manifestaç­ões que ficaram conhecidas como Primavera Feminista, em 2015.

Peitos nus. Corpos pintados com palavras. Vozes agudas em coro. Punhos cerrados para o alto. Mãos tingidas de vermelho. Performanc­es. Tambores. Lilás nas faixas, nas roupas, nos cabelos. Se você estiver em um manifestaç­ão, e ela for assim, não tenha dúvida: é feminista. No Brasil. No aguerrido 8 de março americano, em 2017. No épico 8M de 2018 na Espanha. E agora, no Chile.

As ocupações das chilenas começaram em 15 universida­des, exigindo denúncias nos ca- sos de violência sexista e o fim do acobertame­nto institucio­nal dos assediador­es por parte das reitorias. À medida que os protestos foram se espalhando nas ruas, redes e meios de comunicaçã­o tradiciona­l também se aprofundar­am. A violência de gênero deve ser vista como fenômeno estrutural, demandam as feministas, e para combatê-lo é necessário haver um intenso debate sobre política educaciona­l não-sexista e verdadeira­mente igualitári­a.

Além da unidade na linguagem estética, as ocupações chilenas reafirmam que mulheres, em boa parte do mundo, compartilh­am uma agenda. “Não é não”, “queremos viver”, “lugar de mulher é na resistênci­a”, “meu corpo minhas regras” são alguns exemplos da pauta vocalizada em cartazes por lá, por aqui e alhures. A violência de gênero é o nosso território comum transnacio­nal.

“Aprendemos que somos mulheres diferentes, mas nossas experiênci­as violentas dialogam entre si. Não por uma opção de vestuário ou caminhar na rua, mas sobretudo por enfrentar a vida como mulheres”, escreve a criadora do Think Olga, Jules de Faria.

A luta de deputadas e senadoras para que a regra seja outra conquistou enorme vitória com a recente decisão do TSE que obriga os partidos a repassarem 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha (FEFC) para candidatur­as de mulheres. Este é um dos pontos de partida da afirmação: nossa conquista por mais direitos, visibilida­de e poder não tem volta.

Temos a chance de construir, nos próximos anos, uma representa­ção que espelhe 52% da eleitorada brasileira e, finalmente, faça a gente sair do topo da pirâmide da violência, porque deixaremos para trás a base da pirâmide do poder.

A pressão para ocuparmos as esferas de poder com a nossa diversidad­e é também uma das consequênc­ias do salto quântico de consciênci­a política que o Brasil viveu a partir de Junho de 2013, o mês que continua sendo, mas que tornou inequívoco o fato dos movimentos pelo alargament­o do sentido de humanidade estarem na linha de frente da disputa pelo aprofundam­ento da democracia, no Brasil e no mundo. Avante.

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