Apesar de queda em mortes, ônibus incendiados e crimes assustam MG
Onda de ataques atinge 38 cidades mineiras; suspeita do governo é que ordem partiu de facção
“O que nos surpreendeu é que está sendo à luz do dia”, diz Gilberto Lúcio, gerente da Expresso Valonia, empresa que teve dois ônibus incendiados na semana passada em Itajubá, no sul de Minas. Desde domingo (3), a Polícia Militar contabilizou mais de 65 ataques a ônibus em 38 cidades.
No fim da semana, o transporte em Itajubá ainda não havia retornado ao normal: ônibus circulavam em horário reduzido para facilitar a vigilância da polícia, que passou a escoltar e circular a paisana nos coletivos. “Os motoristas sofrem. Estão emocionalmente abalados”, diz o gerente.
Um bilhete deixado em um dos ônibus da empresa relacionava os ataques à insatisfação com o presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, ao severo sistema prisional em Minas e até a um apoio à paralisação de caminhoneiros, segundo Lúcio.
O prejuízo de R$ 400 mil pelos danos dos veículos somase à renda perdida com a redução da circulação. Cenário que repete em Uberaba, no Triângulo Mineiro, outra cidade alvo dos ataques.
“Com esses atentados, diminuem os passageiros nos ônibus. O pessoal fica apreensivo”, diz Rodrigo Aparecido de Oliveira, gerente das empresas Líder e Piracicabana, que somam seis ônibus atacados e perda de mais de R$ 2 milhões.
As ações do tipo são parecidas. De carro, moto ou a pé, os criminosos abordam os motoristas e exigem que todos desçam do ônibus. Em seguida, jogam líquido inflamável no veículo e ateiam fogo. “No momento mais crítico, os motoristas ficaram com medo de trabalhar e recolheram para a garagem”, afirma Oliveira.
De acordo com a polícia, até sábado (9) o saldo era de 65 ônibus incendiados.
A onda de ataques também mirou agências bancárias, lotérica, delegacia, câmara municipal, veículos do sistema prisional e caminhão de lixo.
O problema é mais discreto na região metropolitana e se intensifica no interior. Ataques recentes no Sul e no Triângulo, divisa com o interior paulista, reforçam a tese de atuação do PCC (Primeiro Comando da Capital).
O governo de Minas avalia que os ataques no estado têm relação com o sistema prisional do país e que a ordem partiu de uma facção criminosa que atua nacionalmente.
Apesar da onda de crimes que assusta a população, no primeiro trimestre do ano, houve queda de 24,5% nas ocorrências de homicídio e de 31,5% nos roubos.
As ocorrências com explosivos caíram pela metade, de 56 para 27. Em 2016, foram 252 ataques desse tipo contra bancos, caixas, correios e lotéricas.
Por outro lado, a quantidade de roubos a bancos cresceu de 23 para 32. E a frequência da queima de ônibus também assusta: em Uberlândia, a última onda de violência ocorreu no fim de abril, com 11 veículos atacados.
Na madrugada de domingo, quatro suspeitos, dois deles adolescentes, foram detidos em uma tentativa de incêndio a ônibus em Betim. Eles estavam com galões de combustível, réplica de arma e toucas.
Em Belo Horizonte, onde três ônibus foram incendiados, o policiamento é reforçado com 86 bases móveis da PM.
Na sexta (8), a Polícia Federal deflagrou uma operação para prender oito membros do PCC que participaram do planejamento dos ataques — cinco foram detidos. Eles serão indiciados pelos crimes de integrar organização criminosa, dano qualificado e incêndio, penas que somam 13 anos de prisão.No total, em casos relacionados aos ataques, 87 pessoas foram presas e 26 menores de idade, apreendidos.
“Primeiro, esses ataques de queimar ônibus. E, segundo, o que realmente amedronta, é a questão desse novo cangaço, que arrebenta a cidade toda, estoura caixa eletrônico, mata os policiais”, diz o sarza, gento Marco Antônio Bahia, presidente da Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares do estado.
Os ataques costumam acontecer na região de divisa com outros estados —Bahia, Goiás e São Paulo.
“O PCC literalmente invadiu Minas Gerais e está dando ordem pra fazer isso”, diz o sargento Bahia. O policial avalia que essa modalidade de crime avançou devido à fragilização do sistema de segurança, sobretudo na vigilância às fronteiras, e à redução na capacidade de resposta, sem um sistema de inteligência integrado das polícias.
Os policiais reclamam ainda de sobrecarga de trabalho e falta de investimento no setor. Segundo Bahia, o déficit de policiais na rua é de 12 mil homens. “Não tem mágica. É PM trabalhando direto sem folga, se desdobrando pra fazer o trabalho de dois.”
Na quarta (6), servidores da segurança pública invadiram a área externa do Palácio da Liberdade, sede do governo do estado, exigindo o fim do parcelamento dos salários e reposição salarial. O movimento foi liderado por associações, sindicatos e pelo deputado estadual de oposição Sargento Rodrigues (PTB).
Estado vive grave crise financeira, e parcela salários
Em grave crise financeira, a gestão de Fernando Pimentel (PT) parcela os salários dos funcionários públicos desde 2016. “Não ter a segurança de que o salário vai cair no dia acertado é uma tragédia”, diz o sargento.
A insatisfação atinge também o superlotado sistema carcerário, que comporta 71.433 presos em 35.886 vagas de 200 unidades prisionais.
“Esse governo sucateou o sistema prisional. Nós corremos risco dentro e fora das unidades por causa de um plano falido”, diz Diemerson Sou- presidente da Associação Mineira dos Agentes e Servidores do Sistema Prisional.
Em entrevista coletiva, o governador Pimentel afirmou que o estado cumpre a lei de execução penal com rigor e, por isso, foi alvo do crime organizado. “Aqui nós não afrouxamos o sistema carcerário para nenhuma organização criminosa”, disse.
Para Diemerson, é justamente o contrário —os ataques a ônibus estão ligados à reivindicação de melhores condições nos presídios. “Às vezes uma família demora quatro horas para conseguir entrar para uma visita. Faltam agentes prisionais”, diz.
A Secretaria de Administração Prisional (Seap) não informa o número de agentes, mas afirma seguir a recomendação nacional de um agente para cada cinco presos.
No mês passado, o estado assistiu a sucessivas tentativas de fuga no presídio de segurança máxima Nelson Hungria, na região metropolitana de Belo Horizonte. Desde de dezembro, 31 detentos conseguiram de fato escapar, mas 14 foram recapturados.
A Seap diz que haverá investimento para modernizar o circuito de câmeras, iluminação e sensores de presença na unidade, além de redimensionamento de pessoal para reforçar a segurança.
A pasta afirma ainda que procura atender as demandas da população carcerária, inclusive possibilitando o trabalho e o estudo dos detentos, e que busca a distribuição eficiente de vagas e servidores.
A Secretaria de Segurança Pública afirma que, nos últimos meses, adquiriu 2.000 veículos e ampliou o efetivo em 4.360 policiais militares e 1.600 policiais civis. A pasta cita investimento em tecnologia, integração entre as polícias e programas de prevenção da criminalidade.
A respeito das reivindicações dos servidores, o governo de Minas diz que 25% do funcionalismo recebe o salário de forma parcelada devido à situação de crise econômica e calamidade financeira do estado e que prioriza o pagamento da folha conforme a possibilidade de desembolso dos recursos estaduais.
Não há previsão para que o salário volte a ser pago no quinto dia útil. O governo diz que não pode dar ajustes porque já atingiu o limite de gastos com pessoal estabelecido por lei, mas que honrou aumentos concedidos em 2015.