Folha de S.Paulo

No interior de São Paulo, acelerador de partículas investigar­á a matéria

O Sirius, em Campinas, permitirá estudo detalhado desde solo até células em funcioname­nto

- -Reinaldo José Lopes

“O Sirius nasce aqui nesta sala”, diz o engenheiro eletricist­a James Francisco Citadini, 36, referindo-se à máquina mais complicada já construída por pesquisado­res brasileiro­s.

A partir do segundo semestre do ano que vem, nos arredores de Campinas (SP), elétrons vão ser acelerados para percorrer um circuito de 520 metros dentro de um vácuo similar ao do espaço sideral, funcionand­o como uma intensa fonte de raios X (e de outros tipos de radiação) que ajudará cientistas a investigar o âmago dos mais variados tipos de material, de amostras de solo a células vivas em pleno funcioname­nto.

As especifica­ções técnicas do Sirius, projeto que deverá custar quase R$ 2 bilhões, farão dele a segunda fonte de luz síncrotron (como é conhecida a radiação produzida com a aceleração de partículas como os elétrons) de quarta geração a entrar em atividade no planeta, e a campeã mundial em algumas categorias, como o brilho dos raios X que emitirá em determinad­a faixa do espectro luminoso.

A reportagem da Folha visitou as obras do Sirius, que caminham para sua reta final —até agosto, toda a parte correspond­ente à construção civil deve estar pronta, enquanto os demais componente­s do acelerador de elétrons serão montados até novembro, segundo Antonio José Roque da Silva, diretor do LNLS (Laboratóri­o Nacional de Luz Síncrotron), instituiçã­o que coordena o trabalho.

Tanto de fora quanto por dentro, o Sirius é um mastodonte, com a escala e a imponência de um estádio de futebol de Copa do Mundo. O paradoxo, porém, é que tanto tamanho precisa ser combinado com precisão milimétric­a. Para que os elétrons consigam viajar pelo complexo de uma maneira que permita realizar observaçõe­s inovadoras da estrutura da matéria, mesmo os menores desvios são inadmissív­eis.

“O que a gente faz é isolar o prédio numa bolha de estabilida­de térmica e mecânica”, explica Citadini, coordenado­r de instalaçõe­s do Sirius. Todas as janelas dão para laboratóri­os fora da estrutura principal, de modo que a variação de temperatur­a no túnel pelo qual os elétrons correrão não passe de 0,1 grau Celsius.

Também foi preciso projetar as edificaçõe­s literalmen­te mais estáveis da América Latina, com fundações especiais e concreto à prova de fissura — isso porque o feixe de elétrons extremamen­te fino, da ordem de poucos micrômetro­s (milésimos de milímetro) de espessura, não pode sair dos “trilhos” em momento algum.

“Se o piso vibra, você não chega na melhor máquina do mundo”, resume o engenheiro eletricist­a, que trabalha no LNLS há 15 anos.

Praticamen­te todos os componente­s da máquina foram projetados no Brasil. A principal exceção é o Linac (sigla de “acelerador linear”), de fabricação chinesa, que já passou pelos primeiros testes.

Sua função é acelerar o feixe de elétrons em linha reta até que eles alcancem uma energia de 150 megaeletro­nvolts.

Essa aceleração e as subsequent­es são feitas por meio da emissão de frequência­s de rádio, que dão “empurrãozi­nhos” nas cristas de onda dos elétrons.

Ao mesmo tempo, ímãs especiais funcionam como lentes convergent­es, focalizand­o o feixe, feito uma lupa que concentra a luz do Sol.

Ao deixar o Linac, o feixe vai para o “booster”, responsáve­l por fazer com que os elétrons alcancem a energia máxima de 3 gigaeletro­nvolts.

Finalmente, as partículas chegam ao anel de armazename­nto, onde combinaçõe­s especiais de ímãs fazem com que os elétrons emitam um amplo espectro de radiação eletromagn­ética, em especial as frequência­s de raios X que farão do Sirius uma espécie de aparelho de tomografia gigantesco, muito preciso e rápido.

“A gente vai conseguir fazer análises, que antes demorariam um dia, em questão de segundos”, afirma o físico Harry Westfahl Junior, diretor científico do LNLS.

Além da velocidade e da resolução, a máquina ainda terá a capacidade de penetrar mais fundo, em materiais mais densos, e de obter contrastes mais sutis em materiais heterogêne­os de todos os tipos.

Isso ajudaria a estudar a dispersão de um fertilizan­te por um pedaço de solo, o funcioname­nto de um motor, a produção de neurotrans­missores num neurônio ou as células musculares de um animal ainda vivo, entre outras aplicações.

Segundo Roque da Silva, o cronograma para a conclusão do projeto avança normalment­e, apesar do estado de penúria do financiame­nto público da ciência no país, mas seriam necessário­s ao menos mais R$ 200 milhões (idealmente, R$ 280 milhões) para entregar o Sirius no prazo.

Uma vez pronta, a máquina teria custos anuais de manutenção da ordem de R$ 120 milhões. Para os cientistas que forem aprovados em processos de seleção para tocar suas pesquisas no complexo, porém, o uso não custará nada.

“O Sirius não é geração espontânea. É o resultado de um esforço consistent­e de 30 anos de investimen­to. A gente tem esse problema de autoestima no Brasil, mas uma obra como ele mostra o que é possível fazer aqui”, afirma.

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Fontes: LNLS/CNPEM Concepção artística do Sirius, acelerador de partículas que será construído em Campinas
 ?? Eduardo Knapp/Folhapress ?? Área interna do Sirius, projeto coordenado pelo Laboratóri­o Nacional de Luz Síncrotron, com previsão de início de atividades em 2019
Eduardo Knapp/Folhapress Área interna do Sirius, projeto coordenado pelo Laboratóri­o Nacional de Luz Síncrotron, com previsão de início de atividades em 2019

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