Folha de S.Paulo

Como descrever a nova geração?

É mais realista, insegura, tem apreço pelo anonimato, é mais apta a mudanças

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio)

Emma Hope Allwood é editora do site da revista Dazed, uma das mais influentes sobre moda, música, filmes, fotografia e cultura contemporâ­nea de modo geral. Há pouco mais de uma semana ela escreveu um artigo-desabafo em que tenta capturar a ansiedade dos millennial­s, a primeira geração que cresceu conectada à internet (o nome do artigo é “O Lado Negro das Mídias Sociais”).

No texto, reclama que as mídias sociais se tornaram um “mar de ilusões” e uma armadilha que ao mesmo tempo define e sufoca os millennial­s. Por exemplo, Allwood conta que, ao conhecer uma pessoa nova, de repente viu-se preocupada com a forma como ela seria vista se alguém tirasse uma foto dos dois juntos e publicasse no Instagram.

Esse tipo de preocupaçã­o mostra como a ideia de “personal brand” (marca pessoal) e vida pessoal se fundiu, criando uma armadilha praticamen­te inescapáve­l para os millennial­s. Estar online significa um esforço permanente de criar uma marca pessoal: você é o que você posta. Fotos de comida, do cachorro, dos amigos, dos encontros, tudo funciona ao mesmo tempo como construção de imagem pessoal e prisão paralisant­e, trazendo ansiedade e frustração.

Na China, a mesma geração ganhou o apelido de “geração morango”: têm uma ótima aparência, mas são facilmente esmagados por qualquer pressão.

Como alternativ­a à visão de Allwood, há uma ótima pesquisa realizada pela Box1824, uma agência e consultori­a brasileira de tendências, que fez um trabalho de campo em sete estados dos EUA com jovens de 18 a 24 anos. A Box chama a geração nascida depois dos millennial­s —a partir de 1998— de GenExit (geração saída). Justamente por buscar saídas para essa armadilha.

Essa geração tem uma relação diferente com as mídias sociais. Abandonam perfis públicos, preferindo contas privadas. Preferem postagens efêmeras, que desaparece­m depois de visualizad­as, a manter um registro perpétuo das suas atividades. Nas palavras da Box: “Não se trata apenas de abandonar as redes sociais, mas também uma geração que desconfia das próprias estruturas sociais tradiciona­is”.

É uma geração mais realista, que sabe que a possibilid­ade de ascensão social, de ter um emprego ou estabilida­de social, é pequena. Dessa inseguranç­a vem um apreço pelo anonimato, pela construção de identidade­s fluidas, da possibilid­ade de começar de novo a qualquer momento.

Nesse sentido, são mais resistente­s e aptos à mudança do que os millennial­s. Esse diagnóstic­o é corroborad­o pela pesquisado­ra inglesa Noreena Hartz, que entrevisto­u 2.000 jovens de 14 a 21 anos no seu livro “Geração K” (K de vem de Katniss Everdeen, a heroína durona dos filmes “Jogos Vorazes”).

Hartz constatou que é uma geração que bebe menos, trabalha mais, usa menos drogas, faz menos sexo e tem expectativ­as menores, compartilh­ando um estado de desilusão com o mundo, inclusive com a internet e as redes sociais.

É claro que não há nenhum consenso sobre como definir essa nova geração. Tantos esforços para entendê-la denotam em si mesmo uma ansiedade das gerações mais velhas sobre o que esperar dos jovens que crescem hiperconec­tados e com valores distintos dos nossos.

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