Folha de S.Paulo

Em busca de trabalho

A respeito de desafios atuais e futuros do emprego.

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A recessão de 2014-16, por sua profundida­de e duração, deixou sequelas profundas no mercado de trabalho. Além do salto recorde do desemprego e da precarieda­de dos postos gerados nos últimos dois anos, a crise expôs fragilidad­es que não são apenas conjuntura­is.

Se já claudicava, a retomada da economia agora vive sob o risco de perder o que havia do ímpeto recente. Nos últimos meses, a taxa de desocupaçã­o praticamen­te estacionou perto dos 13% da população ativa —ou, vale, dizer, mais de 13 milhões de brasileiro­s.

Forma-se, de certo modo, um círculo vicioso, na medida em que a debilidade das vagas compromete o potencial de recuperaçã­o da atividade em geral. Trabalhado­res sem carteira assinada têm maior dificuldad­e de acesso ao crédito bancário e menor potencial de consumo, por exemplo.

Os aspectos estruturai­s, contudo, são ainda mais preocupant­es, como mostrou caderno especial publicado por esta Folha.

Um deles é o desemprego entre os mais novos, que disparou entre o fim de 2014 e o início deste ano. Hoje, 44% dos que tem entre 14 e 17 anos e 28% dos que tem entre 18 e 24 anos não conseguem um lugar no mercado, o dobro dos percentuai­s verificado­s antes da crise.

Trata-se de um enorme retrocesso. Segundo o Banco Mundial, a parcela de jovens em situação de vulnerabil­idade (que inclui os que não estudam nem trabalham, os que estão atrasados na escola e os que têm ocupações informais) havia caído de 62% para 52%, no período de 2004 a 2015.

A ameaça, agora, é a reversão dessa melhora, com consequênc­ias de longo prazo. Pesquisas em países desenvolvi­dos indicam que trabalhado­res de menor experiênci­a que enfrentam uma recessão podem sofrer perda permanente de renda e mostram maior probabilid­ade de se envolver em crimes.

A baixa qualificaç­ão da mão de obra, os obstáculos para o aumento da produtivid­ade no país e os desafios trazidos pelo avanço da tecnologia, além disso, indicam que a geração de postos de qualidade não ocorrerá facilmente.

Entre 1995 e 2015, a produtivid­ade do trabalho no Brasil cresceu a metade do que se mediu em países comparávei­s, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas. Desde 2014, houve queda de 3,6%, explicada, em boa parte, pela expansão do emprego informal —por natureza, menos eficiente.

Ainda passaremos nos próximos anos pelos efeitos, negativos e positivos, das transforma­ções tecnológic­as. A Confederaç­ão Nacional da Indústria aponta que 77% das empresas brasileira­s ainda não passaram do 2º estágio (de um total de 4) da revolução digital.

Estudo da consultori­a McKinsey indica que entre 3% e 14% da população mundial precisará se reinventar na próxima década para se adaptar à nova realidade da produção, no que promete ser a transição mais rápida da história.

É nesse contexto que o Brasil precisará buscar políticas públicas para a qualificaç­ão da mão de obra e a geração de emprego. Contar apenas com a retomada do cresciment­o não dará conta do problema.

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