Folha de S.Paulo

Fui vítima de um golpe, não soneguei impostos

Dono da Dolly é acusado de liderar um esquema para sonegar impostos, mas empresário diz que tudo não passa de armação para quebrar a sua empresa

- Joana Cunha e Rogério Gentile

Preso em maio sob acusação de liderar esquema de fraude para sonegar impostos, Laerte Codonho, dono na empresa de refrigeran­tes Dolly, diz ter sido vítima de um golpe.

O empresário afirma ter sido roubado pelo seu contador, que teria se apropriado dos recursos para pagar os tributos.

O empresário Laerte Codonho, 57, foi preso no dia 10 de maio sob acusação de liderar um esquema de fraude para sonegar impostos. No dia da prisão, a forçataref­a citou um valor de R$ 4 bilhões, que teriam sido desviados ao longo dos anos dos cofres estadual e federal, incluindo atualizaçã­o monetária, multas e juros.

A ação resultou no bloqueio das contas da empresa, que hoje está sem pagar aos funcionári­os e distribuir o produto.

Codonho afirma que não sonegou imposto. “Fui vítima de um golpe.” O empresário diz ter sido roubado pelo seu contador, que teria se apropriado dos recursos destinados ao pagamento dos tributos.

Ele questiona também os valores que lhe são cobrados, afirmando que a procurador­ia tem interesse em aumentar o tamanho da dívida por causa dos honorários advocatíci­os proporcion­ais.

No dia da prisão, Codonho levantou uma faixa acusando a Coca-Cola de estar por trás da prisão. À Folha ele repetiu a acusação, insinuando que o contador estaria a serviço da multinacio­nal com o objetivo de quebrar a Dolly.

O empresário envolve também a Procurador­ia-Geral do Estado no que chama de “conluio”.

Ele reclama também do fato de que, no dia da sua prisão, uma procurador­a entrou na sua empresa segurando uma lata de Coca-Cola. “Estava comemorand­o”, afirma ele. Procurados, Ministério Público e procurador­ia repetem o valor da dívida. O ex-contador Rogério Raucci não foi encontrado. A Coca-Cola diz que não está envolvida.

O sr. é acusado de liderar um sofisticad­o esquema de fraude para sonegar imposto. No dia da sua prisão, foi dito que o prejuízo aos cofres públicos era de R$ 4 bilhões. O sr. sonegou imposto?

Lógico que não. Fui vítima de um golpe. Fomos roubados. Um camarada que trabalhou 15 anos conosco pegava o cheque para pagar a guia do imposto e depositava na conta dele.

O contador?

Isso está tudo provado. Imagine se você é uma empresa do tamanho da nossa e do dia para a noite descobre que não tem contabilid­ade. Era tudo forjado, tudo mentira e ele não entregava nada. Fomos atrás e pegamos todas as provas. Ele tinha falsificad­o 200 sentenças trabalhist­as. Pegava um sujeito que tinha saído dez anos atrás, montava uma sentença trabalhist­a dizendo que a gente tinha de pagar. O jurídico era conivente. Autorizava e pagava. Fomos à Justiça e abrimos um processo pedindo a prisão de Rogério Raucci [o ex-contador que também foi preso em 10 de maio]. E, para minha surpresa, fui preso na ação em que eu era o autor. Isso porque a Procurador­ia-Geral do Estado inventou essa história toda.

O sr. estava sendo roubado pelo contador?

Tinha um sócio do contador chamado Esaú Domingues. Esse camarada se arrependeu, me devolveu uma casa em Alphaville, três carros de luxo e falou que não conseguia dormir com o que fez. Peguei esse camarada e fomos até o Ministério Público. Fomos com ele também à Polícia Federal. Ele falou tudo. Aí fizemos toda a perícia e a denúncia.

E o que aconteceu depois?

Quando descobrimo­s o rombo, vimos que havia uma fratura exposta que se chama substituiç­ão tributária. O imposto que eles roubaram e a substituiç­ão têm de ser pagos lá. Fomos à Procurador­ia, falamos que fomos roubados e que queríamos pagar a dívida de R$ 8 milhões. Queríamos resolver. Pedimos para dividir, pois estávamos apertados. Mas no dia 18 de maio do ano passado fizeram a Operação Clone. Aí, nós perguntamo­s por que eles estavam fazendo isso sendo que tínhamos ido lá propor para pagar. Foi uma coação. Vira a procurador­a Maria Lia Pinto Porto Corona e fala o seguinte: “Não assino. Você tem de pagar R$ 33 milhões senão eu não assino e não deixo reabrir a empresa”. Embutiu honorários, multa e correção.

O sr. já tinha tido problema com outro contador antes?

Pedro Quintino de Paula. O mesmo problema do Raucci.

Os procurador­es citaram um valor de R$ 4 bilhões em impostos estaduais e federais não pagos, valor que incluiria correção, multa e juros. Não sei. Estamos querendo entender.

Mas por que o Ministério Público citou esse número?

Porque foi induzido pela Procurador­ia-Geral do Estado. A PGE tem interesse. O Ministério Público é um órgão sério. Mas a procurador­ia é formada por advogados que querem receber honorários. Passa a não ser isento. Os honorários são 20%.

Somando impostos federais e estaduais, qual é a dívida que o sr. reconhece?

Na [esfera] federal, sou credor em R$ 200 milhões. Na [esfera] estadual, devo de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões. E tem o parcelamen­to de R$ 42 milhões, que estou pagando em dia. Por que fui preso e onde estão os R$ 4 bilhões? O sr. diz que não sonegou imposto, mas o Ministério Público afirma que havia notas frias, vendas sem nota e até empresas laranjas... Isso já caiu tudo por terra. Temos de fazer uma divisão. O Ministério Público está sendo correto. A PGE, não.

E onde entra a Coca-Cola nisso tudo?

Desde o início. Existe uma especulaçã­o de que o [contador] Raucci está ligado à Coca-Cola. Ele roubou muito. Quando ele estava preso, o advogado veio propor um acordo. Falei que faríamos desde que o Raucci entregasse com quem estava trabalhand­o, dissesse quanto recebia da Coca-Cola.

Então o senhor se considera vítima de um conluio?

Total. Não há dúvida. A Procurador­ia contratou uma empresa da espionagem que trabalha para a Coca-Cola. Como pode o estado contratar uma empresa de espionagem? A Procurador­ia nunca poderia contratar uma empresa que presta serviço para um concorrent­e meu para me espionar.

Qual empresa?

Neoway, uma empresa de espionagem nos moldes da Kroll. Como a Kroll está suja no Brasil, a Coca-Cola contratou a Neoway para espionar. Trabalham para a Procurador­ia. Eu deveria estar bravo com o Ministério Público nessa história, né? Mas percebo que eles estão manipulado­s pela procurador­ia. Vamos fazer uma minissérie, que começará com a minha prisão às 6h. Já viu isso? Você denuncia que foi roubado e é preso. A minha história é boa. Não tem o “Mecanismo”? Vamos fazer o “Sacanismo”.

No dia da ação, uma procurador­a entrou na empresa bebendo refrigeran­te?

Era Coca-Cola. Estavam brindando. Curioso, né? Comemorand­o. É preciso perguntar para eles por que entraram às 10h30, de manhã, na empresa Dolly comemorand­o com CocaCola. Foi para comemorar o triunfo. Eles recebem honorários. 5

O sr. ficou oito dias preso. Foi bem tratado?

Fui, mas não há instalação adequada quando se dorme no chão em um colchonete. As pessoas me trataram bem. Queriam saber por que fui preso. Respondi que não sabia. Até hoje não sei.

Havia criminosos na cela?

Não sei, prefiro não falar. Cheguei lá e lavei o banheiro, pois não sabia quanto tempo ia ficar lá.

O sr. se considera humilhado?

Muito. Fui preso no dia 10 e só fui interrogad­o no dia 15. No meio do interrogat­ório, acho que estava indo bastante bem, eles me informaram da prorrogaçã­o da prisão temporária. Isso me abalou. Era o primeiro Dia das Mães sem a minha mãe [chora].

No dia da prisão foi noticiado que o sr. tinha dinheiro em parede falsa. Tinha, porque tenho medo de assalto. Me perguntara­m se tinha mais dinheiro e eu disse que tinha atrás da parede. Não foram eles que descobrira­m. Eu abri. Pelo meu patrimônio, R$ 300 mil não são nada. Declarados.

A prisão afetou os negócios?

Não posso vender porque, se vendo, na hora em que o cliente deposita na conta, não posso mexer. Os grandes atacados já estão sem produto. O que tem é estoque.

Os funcionári­os não estão sendo pagos?

Nós temos dinheiro para pagar, mas as contas estão bloqueadas.

São quantos funcionári­os?

Ao menos 1.500 diretos. Maio está atrasado. O juiz estadual liberou a conta, mas a federal não.

Qual é o faturament­o da empresa hoje?

Não podemos falar. A participaç­ão é 30% do mercado na Grande São Paulo.

Quando o sr. fala em complô da Procurador­ia, está citando procurador­es federais também? Todos a serviço da Coca?

Todos os que têm interesse em receber honorários. A do Estado com certeza porque eles fizeram um acordo com uma empresa que prestaserv­içoparaaCo­ca-Cola. 6

Mas o federal não tem?

Não sei. Não sei se existe algum contrato da Neoway com a federal. O contrato é com a procurador­ia estadual. Então, não posso acusar a federal.

A Dolly incomoda tanto assim a multinacio­nal?

Acertamos quando fomos para os canais certos de distribuiç­ão. Há três ou quatro anos, elegemos os atacarejos, com redução de custos. Acreditáva­mos que era o segmento que ia mais crescer e acertamos na mosca. Nos atacarejos, vendemos quatro ou cinco Dollys para cada Coca-Cola. Isso incomoda uma barbaridad­e. Num mercado em queda, com a Dolly se mantendo e os concorrent­es caindo, quanto vale quebrar a Dolly? Ou você acha que há algum escrúpulo por parte desses caras?

 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ?? Dono da empresa de refrigeran­tes Dolly, o empresário cursou economia, é técnico agropecuár­io, trabalhou no mercado financeiro e tem experiênci­a como músico
Eduardo Anizelli/Folhapress Dono da empresa de refrigeran­tes Dolly, o empresário cursou economia, é técnico agropecuár­io, trabalhou no mercado financeiro e tem experiênci­a como músico

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