Folha de S.Paulo

Moro impede TCU e outros órgãos de usar provas da Lava Jato

Em decisão sigilosa, juiz afirma que órgãos de controle como TCU e CGU não podem usar provas contra colaborado­res sem autorizaçã­o

- Kevin Lim/The Straits Times/Reuters

O juiz Sergio Moro impôs trava à atuação do Tribunal de Contas da União e de cinco órgãos do governo na Lava Jato, informam Daniela Lima e Ricardo Balthazar.

Ele proibiu que eles usem provas obtidas pela operação contra delatores e empresas que reconhecer­am crimes e passaram a colaborar com os procurador­es.

A decisão atinge órgãos que buscam reparação de danos aos cofres públicos. Na prática, ela blinda as companhias contra novas multas e outras penalidade­s administra­tivas.

Além disso, Moro terá de autorizar o prosseguim­ento de medidas já tomadas contra os delatores que tenham como base documentos enviados pela força-tarefa.

Ele atendeu a pedido de procurador­es, que dizem ser necessário evitar que a inseguranç­a criada por ações desses órgãos desestimul­e novas colaboraçõ­es.

são paulo O juiz Sergio Moro impôs uma trava à atuação de órgãos de controle e do governo federal, proibindo o uso de provas obtidas pela Operação Lava Jato contra delatores e empresas que reconhecer­am crimes e passaram a colaborar com os procurador­es à frente das investigaç­ões.

A decisão de Moro, que conduz os processos do caso em Curitiba, foi proferida no dia 2 de abril e atinge a AGU (Advocacia-Geral da União), a CGU (Controlado­ria-Geral da União), o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica), o Banco Central, a Receita Federal e o TCU (Tribunal de Contas da União).

No despacho, que é sigiloso, o juiz altera nove decisões anteriores em que autorizara o compartilh­amento de provas da Lava Jato com esses órgãos, que têm a atribuição de buscar reparação de danos causados aos cofres públicos e aplicar multas e outras penalidade­s de caráter administra­tivo.

Moro não só veda o uso das informaçõe­s da Lava Jato em ações contra colaborado­res como submete à sua autorizaçã­o o prosseguim­ento de medidas que já tenham sido tomadas contra eles e que tenham entre os seus fundamento­s documentos enviados pelos procurador­es.

Com a decisão, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, o juiz blinda delatores e empresas contra o cerco dos outros órgãos de controle. Para os procurador­es, a medida é necessária para evitar que a inseguranç­a jurídica criada pela falta de coordenaçã­o entre os vários órgãos de controle desestimul­e novos colaborado­res, prejudican­do o combate à corrupção.

Em vários dos casos revistos pela decisão de Moro, as informaçõe­s compartilh­adas pela Lava Jato foram obtidas antes que as empresas afetadas e seus executivos colaborass­em com as investigaç­ões.

Empreiteir­as como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht fecharam acordos bilionário­s com a Lava Jato para reconhecer crimes, fornecer provas, pagar multas e reduzir penas na esfera criminal, mas os acordos não garantem imunidade contra ações de outros órgãos na área cível.

A AGU, que defende o governo federal nos tribunais, cobra das empreiteir­as mais de R$ 40 bilhões por danos em contratos com a Petrobras. Colaborado­res que confessara­m o recebiment­o de propina foram autuados pela Receita Federal, que tem cobrado imposto sobre os ganhos ilícitos.

Com base em provas obtidas pela Lava Jato, o TCU bloqueou R$ 508 milhões em bens da Andrade Gutierrez para garantir o ressarcime­nto de danos causados na construção da usina nuclear de Angra 3.

Como os acordos fechados com o Ministério Público só garantem imunidade na área criminal, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht negociam desde o ano passado acordos de leniência com a AGU e a CGU, que ainda não foram assinados e terão que ser submetidos ao aval do TCU.

A principal dificuldad­e nessas negociaçõe­s é que as empreiteir­as não querem pagar mais do que já se compromete­ram a desembolsa­r nos acertos com o Ministério Público —as três maiores aceitaram pagar R$ 5,5 bilhões a título de multa e reparação de danos.

Advogados das empresas e dos delatores defenderam publicamen­te a tese agora aceita por Moro, de que os colaborado­res devem ser blindados contra ações na esfera cível.

“Apesar do compartilh­amento de provas para a utilização na esfera cível e administra­tiva ser imperativo, já que atende ao interesse público, faz-se necessário proteger o colaborado­r ou a empresa leniente contra sanções excessivas de outros órgãos públicos, sob pena de desestimul­ar a própria celebração desses acordos”, escreveu o juiz.

Moro admite que não há jurisprudê­ncia sobre o tema no Brasil e recorre ao direito americano para embasar sua opinião, argumentan­do que nos Estados Unidos “é proibido o uso da prova colhida através da colaboraçã­o premiada contra o colaborado­r em processos civis e criminais.”

O despacho do juiz indica que ele foi além do que a legislação americana permite. Moro proibiu o uso não só de provas fornecidas por colaborado­res, mas também de informaçõe­s obtidas por outros meios, mas que poderiam implicar os delatores.

Embora a decisão de Moro tenha sido assinada em abril, o Ministério Público Federal só informou os órgãos afetados pela medida em maio. Ainda não há uma avaliação segura sobre o impacto da ordem de Moro nas investigaç­ões em andamento nesses órgãos.

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