Folha de S.Paulo

Governo paulista vende serviço que usa dados do RG

Oferta a empresas é questionad­a por OAB e Idec, que veem falta de amparo legal e risco de vazamento

- -Rogério Pagnan

O governo paulista começou a oferecer um serviço de certificaç­ão que usa informaçõe­s sigilosas do RG de 30 milhões de pessoas.

As empresas poderão verificar se a impressão digital de alguém consta do banco de dados da polícia.

Para entidades como OAB e Idec, falta à medida amparo legal.

O Governo de São Paulo começou a oferecer um serviço de certificaç­ão que usa informaçõe­s sigilosas do RG, incluindo as digitais, de cerca de 30 milhões de pessoas.

As empresas interessad­as, com ajuda de um leitor óptico e mediante a compra de pacote de acessos, poderão confirmar se a impressão digital de alguém consta do banco de dados da polícia paulista.

A oferta do serviço, inédito no país e capitanead­a pela Imprensa Oficial, é criticada por representa­ntes de entidades como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Eles veem falta de amparo legal para uso de dados sigilosos do RG, além de incertezas sobre os sistemas de segurança usados.

A Imprensa Oficial, empresa ligada ao governo paulista, passou a oferecer esse serviço inclusive por meio de seu site —por enquanto, não foi formalizad­a nenhuma venda.

“Quem são eles [Imprensa Oficial] para conseguir acesso a esses dados da polícia? Eles são uma empresa. A polícia, quando recebe esses dados, é para uma finalidade de segurança”, questiona Marco da Costa, presidente da seccional paulista da OAB.

A Imprensa Oficial anunciou a venda de pacote por R$ 23 mil que dá direito a 50 mil consultas. Acima disso, a empresa paga pelas checagens extras —quanto maior a quantidade, mais barata fica cada unidade consultada.

Segundo a gestão Márcio França (PSB), além da compra do pacote, as empresas interessad­as têm antes que homologar os leitores de digitais e um software específico. Também precisam de um depósito de garantia de R$ 2 milhões. Só então poderão conseguir acesso ao sistema.

Além da impressão digital, a conferênci­a de um cidadão pelo RG poderá ser feita também pela inclusão de dados pessoais, como nome da mãe.

Segundo Thiago Arruda, diretor da Companhia Paulista de Parcerias, ligada ao governo paulista, esse serviço aproveita a base de dados do Sistema Estadual de Coleta e Identifica­ção Biométrica Eletrônica, que será usado no serviço público todo.

A gestão França diz ver como algo positivo para empresas e para cidadãos que não cometem fraudes.

Eduardo Yoshio Yokoyama, diretor da Imprensa Oficial, disse em Reunião do Conselho de Transparên­cia da Administra­ção Pública no final do mês passado que um dos interessad­os no sistema era a Febraban (federação de bancos).

“A Febraban, por exemplo, nos procurou para darmos mais segurança nas transações deles via celular”, disse.

Questionad­a pela Folha ,a federação negou ter procurado a instituiçã­o para isso.

Em relação à comerciali­zação do serviço pela Imprensa Oficial, Thiago Arruda disse que ela foi amplamente discutida no governo e, diz ele, não há problemas jurídicos. “A gente discutiu isso longamente com a Procurador­ia-Geral do Estado, que participou de todas as discussões, e foi tratado como juridicame­nte [legal]. Não tem nenhuma dúvida com relação a isso.”

Segundo ele, a Imprensa Oficial já tem a função de ser “a certificad­ora oficial do estado” e, por isso, pode prestar tal serviço em nome do governo paulista. Além disso, afirma, trata-se da venda de um serviço, e não dos dados.

“Na verdade, a gente não está comerciali­zando os dados. O dado ainda continua sendo de posse do governo, e há cuidado plenamente seguro, pela gestão do IIRGD [instituto da Secretaria da Segurança Pública], pelo Detran, os órgãos responsáve­is por isso. O que está permitindo a comerciali­zação é a conferênci­a biométrica do cidadão”, afirmou.

“A gente acredita que, como não estamos disponibil­izando nenhuma informação, mas permitindo que o cidadão confirme a sua identidade, a gente não está fazendo nenhuma violação do que ele voluntaria­mente permitiu”, disse.

Segundo a gestão Márcio França, as empresas saberão só a confirmaçã­o da identidade das pessoas, que não poderão ser obrigadas a se submeter à análise da impressão digital em uma loja, por exemplo.

Rafael Zanatta, advogado e líder do programa de Direitos Digitais do Idec, diz que faltou ao governo debater com a sociedade a implantaçã­o do serviço, inclusive os sistemas de segurança para evitar vazamentos de informaçõe­s.

O Idec analisa quais medidas judiciais poderão ser tomadas para tentar barrar a comerciali­zação do sistema.

“O que nos preocupa: São Paulo pode criar um ‘case’, de fazer um sistema biométrico sem muita preocupaçã­o de segurança, sem debate público, e isso virar modelo de exportação para outros estados.”

Marco da Costa, da OAB, diz que problemas de segurança podem provocar fraudes.

“Pode ser que amanhã apareçam negócios validados através de digitais. Como você vai provar que essa digital foi usada por você ou se um terceiro que pegou uma base de dados?”, disse ele.

Segundo o governo paulista, foram feitos estudos e testes na implantaçã­o do sistema para evitar vazamentos.

“Pode ser que amanhã apareçam negócios validados através de digitais. Como você vai provar que essa digital foi usada por você ou se um terceiro que pegou uma base de dados?

Marco da Costa presidente da OAB-SP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil