Folha de S.Paulo

Trump passa rasteira em Seul ao cancelar exercício militar

Reivindica­ção antiga de Kim, medida surpreende o governo sul-coreano

- Patrícia Campos Mello

A expressão em inglês “jogar alguém debaixo do ônibus” —que pode ser traduzida como dar uma rasteira— aplica-se perfeitame­nte ao resultado da reunião entre o presidente americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un.

Trump anunciou que os EUA vão suspender os exercícios militares com a Coreia do Sul, dizendo serem “uma provocação” e “muito caros”. Em troca, recebeu promessas vagas de desnuclear­ização.

Aparenteme­nte, Seul foi pega de surpresa. Sobre o assunto, um porta-voz das Forças Armadas sul-coreanas afirmou: “Precisamos descobrir qual é o significad­o exato disso e as intenções”.

Aliás, nem as forças americanas sabiam. “Não recebemos instruções sobre suspensão de exercícios de treinament­o e planejamos continuar com nossa atual postura militar”, disse o comando americano na Coreia do Sul.

Os exercícios são parte integral da estratégia de defesa dos EUA, que garantem a proteção da Coreia do Sul desde a trégua na Guerra da Coreia.

Já se tornou um clássico do estilo Trump destratar aliados, vide as tarifas sobre aço e alumínio contra seus maiores aliados —União Europeia, Canadá e México.

Já Kim, que determinou a execução de mais de 200 opositores, mereceu palavras gentis. “O país ama Kim Jong-un, dá para ver o fervor do povo”, disse Trump.

A suspensão dos exercícios militares não estava prevista na lista de gestos de boa vontade que Trump levaria para Singapura. Observador­es acham que ele seguiu seu estilo de diplomacia — baseado no lema “não preciso me preparar, basta ter atitude”.

A suspensão era reivindica­ção antiga de Kim. Os americanos e coreanos afirmavam que os treinament­os eram apenas defensivos, mas obviamente tinham um papel de dissuasão —envolvem cerca de 320 mil soldados.

O congelamen­to dos exercícios em troca da paralisaçã­o do programa nuclear nortecorea­no era exatamente o que propôs a China, maior aliada de Pyongyang. Seul insistia que isso inicialmen­te não era parte da negociação.

Trump disse que quer levar de volta para casa os 28,5 mil soldados americanos baseados atualmente na Coreia do Sul, mas que isso “não faz parte da equação neste exato momento”. No entanto, também essa concessão ao regime de Kim pode estar próxima, para profundo desagrado de Seul.

Trump não é muito chegado a sensibilid­ades e está ocupado colhendo os louros da “cúpula histórica” sem resultados concretos.

Aliás, o presidente americano já enxerga que tipo de negócios os EUA podem fazer com o país asiático. “Eles têm praias ótimas”, disse Trump, na entrevista coletiva após a reunião. “Daria um ótimo condomínio! Eles poderiam ter os melhores hotéis lá.”

Resta saber qual será a localizaçã­o exata do empreendim­ento. Convém não construir o condomínio perto de uma das prisões onde Kim mantém presos, vítimas de tortura e de fome, mais de 130 mil dissidente­s políticos, segundo a ONU. Parece que a vista não é muito bonita.

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