Folha de S.Paulo

Digital é chave que não se perde, e critério para proteger dados precisa ser rigoroso

- -Carlos Affonso Souza Professor da Uerj e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

A impressão digital é a chave que nunca se perde. Está atrelada ao nosso corpo e nos identifica de modo particular. Hoje em dia é com a digital que se desbloquei­a o celular, a conta do banco é acessada e se entra na academia. O uso da digital foi trivializa­do.

Todavia, a digital é diferente da chave, facilmente trocada. Por isso os critérios de segurança para quem detém esses dados devem ser mais rigorosos, especialme­nte no Brasil, que ainda não tem uma lei geral de proteção de dados.

O governo de São Paulo criou o Sistema Estadual de Coleta e Identifica­ção Biométrica Eletrônica. Ele foi lançado para reduzir a burocracia, aumentar a economia e combater fraudes. Os motivos podem ser os melhores, mas a sua execução pode encontrar problemas que, caso não sejam sanados, podem gerar o efeito oposto.

Quais são as garantias que possui o cidadão de que os seus dados serão usados apenas para a finalidade com a qual foram coletadas? Como garantir que não haverá repasse para terceiros com finalidade comercial? E quais são os procedimen­tos para evitar vazamentos de dados?

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) enviou carta ao governador na qual levanta dez perguntas sobre o sistema. Dentre elas estão a indicação das bases legais que permitem o tratamento de dados e a sua reutilizaç­ão entre “todos os órgãos e entidades da administra­ção pública direta e indireta”.

Ainda, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp) passou a atuar como entidade de certificaç­ão de digitais, oferecendo ao comércio a possibilid­ade de conferir, mediante remuneraçã­o, as impressões digitais coletadas pelos usuários do sistema com aquelas já armazenada­s.

Além de preocupaçõ­es sobre a base legal para a Imesp desempenha­r essa função, vale lembrar que, no plano federal, corre no Congresso o PLS 330/2013. Ele cria regimes de tratamento diferentes entre o setor privado e o setor público. Quando os dados forem tratados pelo Estado, o cidadão perde uma série de direitos como a conservaçã­o de dados e a sua identifica­ção apenas enquanto cumprir a finalidade de sua coleta, a transparên­cia no tratamento de dados e o consentime­nto.

Esse é o cenário no qual a certificaç­ão de biometria está inserida. Em tempos de incidentes de privacidad­e semanais, não se pode mais tratar o assunto como algo menor.

Por isso a ausência de informaçõe­s técnicas sobre segurança e a aparente liberdade com a qual dados pessoais serão trocados preocupa.

A digital é sua, mas caso não sejam superados os questionam­entos sobre segurança, finalidade e base legal, ela também poderá ser de quem mais quiser.

 ?? Diego Padgurschi /Folhapress ?? Movimentaç­ão diante do Poupatempo da Sé, no centro de SP, um dos principais pontos para tirar RG em São Paulo
Diego Padgurschi /Folhapress Movimentaç­ão diante do Poupatempo da Sé, no centro de SP, um dos principais pontos para tirar RG em São Paulo

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