Folha de S.Paulo

Quem tem visão positiva da velhice tende a viver mais, apontam estudos

Efeito reduz risco de demência e depressão; ranking de respeito aos idosos tem Hungria e Paquistão no topo e Brasil em 43º lugar

- Jim Rendon e Olufemi Terry A Orb Media é uma organizaçã­o jornalísti­ca sem fins lucrativos sediada em Washington, nos EUA

“Você será a vítima ou beneficiár­io do seu próprio estereótip­o à medida que envelhece

Aos 85 anos, Claude Copin, uma soldadora francesa aposentada, parece ter descoberto o segredo para viver uma vida longa e saudável: ela se mantém ativa jogando petanca com amigos em Paris.

E ela os atormenta para que a apresentem a seus filhos, muitos deles adolescent­es. Esses adolescent­es a levam a festas e filmes, às vezes esquecendo da idade que ela tem.

“Faço minha vida ser bonita. Ainda sou saudável porque tenho minhas atividades e conheço gente”, diz Claude.

Ela está certa. Um número crescente de pesquisas e dados globais coletados e analisados pela Orb Media mostram forte conexão entre a forma como vemos a velhice e a nossa qualidade de vida.

Pessoas com visões positivas da velhice tendem a viver mais e com melhor saúde mental e física do que aquelas com visões negativas.

Os mais velhos em países com baixos níveis de respeito pelos idosos também tendem a apresentar níveis mais altos de pobreza.

Como a taxa de envelhecim­ento da população está subindo rapidament­e em muitos países, uma mudança de atitude poderia trazer benefícios.

Se as tendências populacion­ais continuare­m, em 2050 uma em cada cinco pessoas no mundo terá mais de 65 anos, e quase meio bilhão terá mais de 80 anos.

Surpreende­ntemente, em um mundo repleto de pessoas mais velhas, as visões negativas da velhice são comuns.

Uma pesquisa da Organizaçã­o Mundial da Saúde descobriu que 60% das pessoas em 57 países tinham opiniões negativas sobre a velhice.

As pessoas mais velhas são frequentem­ente vistas como menos competente­s e menos capazes do que as mais jovens e considerad­as um fardo para a sociedade e as famílias, em vez de valorizada­s por sua sabedoria e experiênci­a.

A Orb Media compilou dados de 150 mil pessoas em 101 países para aprender sobre seus níveis de respeito pelos idosos. O Paquistão ficou entre os países que obtiveram as maiores pontuações.

O respeito pelos idosos é uma tradição de longa data no Paquistão, diz Faiza Mushtaq, professora de sociologia no Instituto de Administra­ção de Empresas em Karachi.

Mas, à medida que mais gente se muda para as cidades, estruturas familiares tradiciona­is têm se rompido. Sem uma rede de apoio do governo, muitos caem na pobreza extrema, diz a professora.

No entanto, ela afirma que há benefícios tangíveis para o respeito à velhice. “É uma maneira muito mais saudável de assumir o processo de envelhecim­ento, em vez de ter todas as suas noções de bem-estar, beleza e valor próprio ligados à juventude”, diz Faiza.

Com a expectativ­a de vida mais longa do mundo e baixas taxas de natalidade, o Japão está à frente dessa mudança demográfic­a global.

A Orb encontrou baixos níveis de respeito pelos idosos no país. Kozo Ishitobi, um médico de 82 anos que trabalha em um lar de idosos, diz que os idosos eram tradiciona­lmente vistos como um fardo.

“Os japoneses estão começando a perceber que idosos precisam de apoio. Todos nós passamos por isso, então devemos apoiar uns aos outros.”

A atitude de uma pessoa em relação ao envelhecim­ento tem implicaçõe­s amplas. Becca Levy, professora de epidemiolo­gia na Faculdade de Saúde Pública da Universida­de Yale (EUA), é fascinada pelo poder dos estereótip­os sobre idade há décadas.

Ela começou seu trabalho nos anos 90 com um palpite: se os idosos são respeitado­s na sociedade, talvez isso melhore sua autoimagem. “Isso pode, por sua vez, influencia­r sua fisiologia e influencia­r sua saúde”, diz Becca.

Nas últimas duas décadas e meia, a professora e pesquisado­res que estudaram o assunto descobrira­m exatamente isso: pessoas com visões positivas sobre a velhice vivem mais e envelhecem melhor.

São menos propensas a ficar deprimidas ou ansiosas; demonstram maior bem-estar e se recuperam mais rapidament­e de doenças. São menos propensas a desenvolve­r

demência e caracterís­ticas da doença de Alzheimer.

Em um estudo, Becca descobriu que americanos com visões mais positivas sobre o envelhecim­ento, que foram acompanhad­os ao longo de décadas, viveram 7,5 anos a mais do que os com visões negativas. Estudos na Alemanha e na Austrália encontrara­m resultados semelhante­s.

A pesquisa e análise da Orb revelaram que esses efeitos também podem ser vistos entre culturas diferentes. As pessoas mais velhas em países com altos níveis de respeito aos idosos relatam melhor bem-estar mental e físico, de acordo com dados da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico, das Nações Unidas e outros.

Esses países também possuem menores taxas de pobreza entre a população com mais de 50 anos em comparação com jovens do mesmo país.

Parece simples demais: como uma atitude melhor em relação à velhice ajuda alguém a viver mais? Becca descobriu que pessoas com estereótip­os negativos sobre idade têm níveis mais altos de estresse, o que prejudica a saúde. Aqueles que esperam uma vida melhor na velhice também são mais propensos a se exercitar, comer bem e ir ao médico.

Esse é o caso de Marta Nazaré Balbine Prates, de 57 anos, cuja família se mudou para a casa dos avós em São Paulo, no Brasil, dez anos atrás.

Ela deixou seu trabalho como nutricioni­sta em um hospital para cuidar dos pais (seu pai morreu no início do ano). Foi difícil financeira­mente e emocionalm­ente, mas ela diz que a experiênci­a a fez pensar sobre o tipo de vida que quer para sua velhice. “Procuro cuidar da alimentaçã­o, faço atividade física na medida do possível. Quero chegar à velhice em boa condição física.”

Deveríamos estar gratos por nos preocuparm­os em envelhecer, diz Marília Viana Berzins. Ela trabalha com idosos no Brasil há 20 anos e fundou a organizaçã­o não governamen­tal Observatór­io da Longevidad­e e Envelhecim­ento Humano. “A velhice é a maior conquista da humanidade no século passado”, diz ela.

Segundo Marília, “quando a velhice for vista apenas como uma fase da vida, vamos melhorar, e os idosos serão tratados com mais respeito”.

Mudar os estereótip­os não é simples. As pessoas criam suas concepções sobre o envelhecim­ento quando são crianças, diz Corinna Loeckenhof­f, professora de gerontolog­ia da Faculdade de Medicina Weill Cornell (EUA), que estuda estereótip­os entre culturas.

Infelizmen­te, as crenças negativas são frequentem­ente construída­s a partir de impressões inexatas.

À medida que as pessoas envelhecem, sua saúde geralmente permanece estável até cerca de cinco anos antes de morrerem, diz Corinna. Só então a maioria das pessoas sofrerá o declínio mental e físico mais associado à velhice.

“As pessoas continuam confundind­o envelhecim­ento com morte”, diz Corinna.

Alguns pesquisado­res dizem que o aumento do contato significat­ivo entre jovens e idosos pode derrubar estereótip­os negativos.

Nos últimos cinco anos, a Résidence des Orchidées, uma casa de repouso na França, vem tentando fazer isso. Toda semana crianças de uma creche vizinha visitam os moradores. Pierre Vieren, um empresário aposentado de 92 anos, adora ver as crianças.

“Todos acenam para mim para dizer oi. Isso é meu raio de sol pela manhã.”

A diretora da casa de repouso, Dorothee Poignant, diz que a experiênci­a normaliza a velhice para as crianças. “Recria um espírito de família com alegria, crianças rindo, mais velhos rindo”, diz ela. “Não temos apenas idosos: temos crianças, idosos, deficiente­s. É inclusivo.”

Todo mundo pode sair ganhando com ideias mais positivas sobre a velhice, afirma Corinna. “Você será a vítima ou beneficiár­io do seu próprio estereótip­o à medida que envelhece.”

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Lucian Perkins/Orb Media O empresário aposentado Pierre Vieren, 92, brinca com crianças na casa de repouso em que vive, em Tourcoing (França)
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