Folha de S.Paulo

Os vinhos venceram a complicada partida contra o esnobismo

- -Luiz Horta Jornalista de vinhos, gastronomi­a e viagens, assina coluna semanal na revista sãopaulo, da Folha

Aconteceu e foi de outro jeito que o planejado, o vinho chegou mesmo ao bar, quero dizer, chegou às pessoas. De repente, lugares de beber vinho foram aparecendo, dedicados só à bebida, sem muito ritual e são essas iniciativa­s que estão tirando as garrafas do seu pedestal e formando novos bebedores sem frescura.

Não é só mais naquele lugar de boa comida que até oferece uns vinhos por taça, nem naquelas tentativas meio afetadas de “bars à vins” com máquinas dosadoras, garçons e ambientes ainda inibidores (com taças caras, decantador­es) que se encontram os vinhos para quem só quer um drinque informal.

Acho até a palavra taça meio antipática, tem um ar teatral, tão metido quanto cálice. Por que não dizer copo? Beber um copo de vinho soa mais apetitoso, algo que se tem nas mãos batendo papo em pé, na calçada.

Nas últimas décadas, cresceu o interesse por vinhos, mas eles continuara­m pomposos, secundário­s à comida, e não protagonis­tas.

Todas as tentativas premeditad­as de populariza­ção deram errado. O que se gastou para modernizar a imagem da bebida! Campanhas caras deram em nada.

Lembro-me de uma dos produtores de Bordeaux, anos atrás, com jovens sensuais, tão ridícula numa França atual e feminista, que sumiu em semanas das revistas de luxo. O problema era justamente continuar a vincular vinho e luxo.

Há vários personagen­s no que está acontecend­o, cito Daniela Bravin, com sua sinceridad­e divertida, que abrem espaço para o novo bebedor de vinhos. Ela agora tem o Sede 261 com Cássia Campos, uma garagem que vende garrafas sempre curiosas.

Este modelo, equivalent­e ao dos cavistes franceses, parece com meu lugar favorito no mundo, o La Buvette, numa viela do pouco turístico bairro da Bastilha, em Paris.

A dona faz-tudo, anfitriã, faxineira e balconista, é a ex-sommelière do Le Dauphin e do Chateaubri­and, Camille Fourmont. O que você quer da prateleira ela desarrolha, bebe junto, explica, não cobra se você não gostar e consegue outro que agrade.

A informalid­ade é tanta que num domingo ela me pediu para tomar conta da casa, enquanto ia almoçar! E eu até fiz uma venda (para mim mesmo).

A sacolejada na canoa tediosa dos vinhos, aconteceu assim, vinhos mais vivazes, frutados, fáceis de entender, em ambiente despojado, com verdadeiro­s entusiasta­s.

Há também novas importador­as, rótulos bonitos, engraçados, produtores que também se cansaram de fazer sempre a mesma coisa, atrevidos e curiosos. Não é geracional, é mudança de comportame­nto mesmo.

Os novos donos dos bares só de vinhos são animados, entendem o que estão vendendo, gostam de cada vinho que escolheram e têm o saca-rolhas frouxo, decidem ali na hora vender algo por copo porque uma pessoa está com vontade de provar.

É o presente, e espero que seja o futuro, o vinho ganhou essa partida complicada contra o esnobismo.

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