Folha de S.Paulo

Capitão do Uruguai em 1950 afogou as mágoas de estragar a festa do Brasil

- Vapor 324/Folhapress Alex Sabino

Ensimesmad­o como sempre, Obdulio Varela saiu a caminhar, sozinho, pela rua Paissandu, no Rio, na noite de 16 de julho de 1950. Quando deixou o hotel Paysandú, próximo à praia do Flamengo, a taça Jules Rimet estava sobre a bancada da recepção, sem segurança, para quem quisesse vê-la ou tocála. Nenhum brasileiro queria fazer uma coisa ou outra.

Só uma pessoa o reconheceu. O garoto argentino Manuel Epelbaum, então com 18 anos, que passava férias no Rio. Anos depois, ele se tornou jornalista e voltou a morar na cidade. Varela, o “negro chefe”, como era apelidado, percebeu que era seguido pelo rapaz e foi tirar satisfaçõe­s.

Continuou pela Paissandu até chegar à Senador Corrêa, já nas Laranjeira­s. Contornou à direita até a cervejaria onde estava outro argentino, este sim seu amigo. Andou até a praça São Salvador, onde está o bar hoje chamado Caneco 85. Sentou-se ao balcão e pediu uma cerveja.

“Perdemos para este Obdulio Varela. Ele tirou o nosso título”, lamentou um brasileiro sentado ao lado, sem saber que o homem que culpava pela derrota mais traumática da história do futebol nacional estava ao seu lado.

O volante uruguaio não disse nada. Continuou a beber. Lembrou-se de que estava sem dinheiro e avisou ao amigo argentino que no dia seguinte passaria para acertar a conta. Fez o caminho de volta a pé. Mais 650 metros de silêncio enquanto a 2.375 quilômetro­s dali, em Montevidéu, seus conterrâne­os festejavam a conquista do segundo Mundial, no Maracanã, de virada.

Ao voltar ao hotel, a Jules Rimet havia sido recolhida por algum dirigente da federação uruguaia que ele desprezava. Os mesmos que haviam proibido os jogadores de deixar o local.

“E desde quando eles mandam em mim?”, questionou, ao ficar sabendo da ordem e segundo antes de colocar o pé na calçada.

Descobriu que, apesar das altas horas, todos os companheir­os de seleção estavam acordados, comendo sanduíches e bebendo refrigeran­tes. Eles haviam feito vaquinha para celebrar a conquista.

O capitão símbolo maior do futebol uruguaio não estava para papo. Roque Máspoli, goleiro da seleção e seu colega de Peñarol, tentou iniciar uma conversa.

“Diga que não é mentira que ganhamos, Obdulio.”

“Me deixe em paz, Roque.” Continuou bebendo ao lado de Ernesto Figoli, o massagista da seleção. Anos depois, Varela confessou que estava amargurado. O passeio na madrugada pela noite do Rio o fez perceber o tamanho da festa preparada pelos brasileiro­s para a conquista do título no Maracanã. E os uruguaios haviam estragado tudo. Segundo uma pessoa no bar, ele havia estragado tudo.

No dia seguinte, Obdulio Varela, o capitão do Uruguai que matou o sonho de milhões de brasileiro­s, voltou ao bar, pagou a conta e voltou para Montevidéu como se nada tivesse acontecido.

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Trecho de animação de caso da Copa de 1950

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