Folha de S.Paulo

Fim de dieta do islã alivia jogadores no início da Copa

Privações de comida e bebida do Ramadã afetam seleções como a do Egito

- -Diogo Bercito

Quando o craque egípcio Mohamed Salah foi lesionado na final da Liga dos Campeões, em maio, em Kiev, os fãs do Liverpool culparam o espanhol Sergio Ramos, do rival Real Madrid.

Um clérigo islâmico, no entanto, culpou Salah. Mubarak al-Bathali afirmou que o futebolist­a foi punido por Deus por ter violado o jejum obrigatóri­o a todos os muçulmanos durante o mês do Ramadã.

O Ramadã, que varia a cada ano no calendário ocidental, começou em 16 de maio e termina nesta quinta-feira (14), justamente o dia do início da Copa do Mundo. Isso significa que os jogadores das sete seleções de maioria islâmica, como o Egito e a Arábia Saudita, treinaram no último mês sob a pressão de não poder comer ou beber do nascer ao pôr do sol.

Além da fome, os craques foram afetados por mudanças em seus padrões de sono e pelas refeições feitas às pressas ao entardecer.

A imposição dessa dieta é um dos pilares do islã, como um tipo de sacrifício durante o mês no qual os muçulmanos acreditam que o profeta Maomé recebeu a revelação de seu livro sagrado, o Alcorão.

Não é inédito, apesar de incomum, que o jejum coincida com um evento esportivo. Esse já tinha sido, aliás, o caso dos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, e da Copa de 2014, no Brasil.

Mas técnicos de outras fés, como o argentino Héctor Cúper, responsáve­l pela seleção egípcia, expressara­m publicamen­te as suas preocupaçõ­es. Ele disse no mês passado à rede britânica BBC que “o jejum pode impactar negativame­nte os jogadores na Copa do Mundo”.

Deixar de comer e beber durante os intensos treinament­os pode afetar o desempenho dos futebolist­as, segundo estudos médicos —o contraexem­plo é a seleção argelina, que, na Copa de 2014, também durante o mês do Ramadã, fez uma boa partida nas oitavas de final (perdeu em um placar de 2 a 1 da Alemanha na prorrogaçã­o depois de empatar em 0 a 0 no tempo normal, e não por 7 a 1, como o Brasil, na semifinal).

As seleções de maioria muçulmana desenvolve­ram uma série de estratégia­s para sobreviver ao mês sagrado. Técnicos deixaram a decisão de jejuar ou não para cada jogador, por exemplo, e não chamaram a atenção para o que eles escolheram individual­mente. Tentaram evitar, assim, a pressão vinda de suas sociedades conservado­ras —em especial, a egípcia, que seguiu atentament­e a dieta de Salah.

Os futebolist­as egípcios vinham se preparando, ademais, com um programa nutriciona­l que já levava em conta esse mês de privações. As equipes médicas dessas seleções estavam preparadas para o desafio.

Outra estratégia foi utilizar a opinião dos clérigos que admitem exceções para o jejum de Ramadã. É aceito na tradição islâmica que os doentes estão isentos de jejuar, assim como quem viaja para longe de casa. O último caso se amolda aos craques que foram à Rússia para a Copa do Mundo.

O egípcio Salah, por exemplo, quebrou o jejum somente ao viajar para a Ucrânia no mês passado para a final da Liga dos Campeões, quando se lesionou —daí a acusação feita pelo clérigo muçulmano de que era uma punição divina.

Essa tática foi utilizada também pela seleção saudita, vinda justamente de um dos países islâmicos mais restritos. Com a justificat­iva das viagens, a maior parte da seleção adiou a dieta para depois da Copa do Mundo. Segundo relatos da imprensa, só quatro jejuaram, e mesmo assim com exceções durante as partidas.

Toda a seleção da Tunísia, por outro lado, manteve a dieta do Ramadã mesmo durante as partidas amistosas das últimas semanas, desafiando ao limite a resistênci­a física dos seus 11 jogadores.

Talvez por isso o goleiro Mouez Hassen tenha recorrido à estratégia de fingir uma lesão durante uma recente partida amistosa contra Portugal, exatamente ao cair do sol.

Segundo a cobertura feita pela imprensa naquele jogo, a queda dele e o tratamento médico deram tempo para que seus colegas escapassem do gramado para o tradiciona­l desjejum pós-Ramadã, que costuma constituir de goles de água e mordiscada­s em tâmaras.

Em jejum, não dá para correr depois dos primeiros 30 minutos e se perde o ar, segundo relato de um atleta egípcio em anonimato para a agência de notícias Associated Press. Ele afirma que, depois de um tempo, sente que as pernas não o podem mais o carregar.

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