Folha de S.Paulo

Em contrapont­o ao Brasil, Rússia entrega Mundial sem conflitos ou cobranças

Se em 2014 teve até ‘chute no traseiro’, russos mantêm boa relação com a Fifa

- -Fábio Aleixo Kirill Kudryavtse­v/AFP

Após oito anos de preparação, a Rússia entrega nesta quinta-feira (14) a Copa do Mundo para a Fifa, sem grandes cobranças e conflitos. Realidade bem diferente da de quatro anos atrás, quando os gritos de “não vai ter Copa” e o atraso na entrega de estádios deteriorar­am a relação entre país-sede e os donos do evento.

Problemas, claro, surgiram desde a escolha da Rússia, em 2 de dezembro de 2010, e ainda existem questões pendentes.

Hooliganis­mo, racismo e homofobia no esporte e risco de terrorismo são alguns dos problemas ainda não resolvidos pela Rússia e que podem gerar impacto no Mundial.

Porém, no que diz respeito à organizaçã­o, os russos conseguira­m agradar à Fifa.

“A Rússia vai entregar uma excelente Copa do Mundo. Nós não tivemos grandes dores de cabeça com estádios e infraestru­tura, os compromiss­os foram levados muito a sério e o resultado disso já foi visto na Copa das Confederaç­ões”, disse a Fifa em nota.

O discurso totalmente diferente do que era costume na relação com o Brasil. Em 2012, o então secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, chegou a dizer que o país “merecia um chute no traseiro” por estar com cronograma atrasado.

Ele era o responsáve­l por acompanhar o andamento das obras e manter contato frequente com as autoridade­s.

“Não sou um especialis­ta em Copa do Mundo, mas posso dizer claramente que não tem sido nada fácil. Estamos falando de condições em que o cimento não está nem mesmo seco”, disse quando faltavam cem dias para o Mundial.

Durante sua preparação para a Copa, a Rússia viu mudanças na Fifa. O fim da era Joseph Blatter, afundada em denúncias de corrupção, e o início da gestão de Gianni Infantino.

Desde que assumiu o cargo, em fevereiro de 2016, o italiano se manteve próximo à Rússia e realizou diversos encontros e ações com o presidente russo, Vladimir Putin. Os dois até bateram bola no Kremlin para divulgar o torneio.

A Copa é um projeto de Estado na Rússia. Putin é chefe do Conselho Supervisor do COL (Comitê Organizado­r Local), e dinheiro não faltou para atender a todas as demandas da entidade que comanda o futebol mundial.

Nem mesmo a mudança na presidênci­a do COL devido à renúncia do vice-primeiromi­nistro Vitali Mutko, envolvido no escândalo estatal de doping, estremeceu a relação.

O mais recente orçamento divulgado pelas autoridade­s, em 25 de abril, mostrou um investimen­to de 683 bilhões de rublos (R$ 38,4 bilhões). Quantia superior à gasta pelo Brasil: R$ 33,3 bilhões (valores corrigidos pela inflação).

A Rússia ergueu sete novos estádios para o Mundial (Ka- liningrado, Nijni Novgorod, Rostov, Samara, Saransk, São Petersburg­o e Volgogrado) e reformou outros três (Lujniki, Iekaterinb­urgo e Sochi).

Apenas os estádios do Spartak e de Kazan não precisaram de obras para o Mundial, já estavam prontos antes.

A Fifa designou Colin Smith, diretor de competiçõe­s, para acompanhar as obras e tirou do foco a secretária-geral da entidade, Fatma Samoura.

O único estádio que não recebeu três jogos-teste (uma das exigências da Fifa) foi o Lujniki, principal arena do Mundial, que receberá a abertura e a final do torneio.

Por outro lado, a arena recebeu dois jogos importante­s, os amistosos da seleção local contra Brasil e Argentina,ambos com capacidade máxima.

Foi uma grande diferença em relação ao Brasil, que fez somente um jogo-teste oficial nos estádios não utilizados na Copa das Confederaç­ões. Além disso, a Arena da Baixada, em Curitiba, correu risco de ser excluída da competição em razão dos atrasos.

A pior crise com estádios na Rússia se deu em Samara. Foram diversos atrasos e a inauguraçã­o mais tardia, em 28 de abril. Sete estádios foram inaugurado­s no mesmo mês.

O rigoroso inverno russo impediu que todas as arenas fossem finalizada­s e testadas até o fim de 2017 —uma promessa do comitê organizado­r.

Para melhoria da infraestru­tura, o governo russo abriu novos aeroportos, como o de Rostov, e ampliou e reformou outros. Até o já moderno aeroporto de Sheremetie­vo, em Moscou, ganhou um novo terminal e um trem interno ligando os já existentes. Novas linhas e estações de metrô foram abertas em várias sedes.

A única promessa que ficou pelo caminho foi a implantaçã­o de um trem de alta velocidade ligando Moscou a Kazan. Com ele, uma viagem de cerca de 750 km duraria pouco mais de 12 horas.

Comparado com o Brasil, os atrasos foram pequenos. O trem de alta velocidade ligando São Paulo ao Rio de Janeiro nunca saiu do papel, assim como as obras do VLT de Cuiabá. As obras nos aeroportos de Fortaleza e Viracopos também não terminaram a tempo do Mundial de 2014.

“Tudo que foi prometido foi cumprido pelas autoridade­s russas. Creio que o único problema é mesmo não ter esse trem expresso para uma cidade tão importante para o país como é Kazan. Tudo saiu muito bem”, afirmou José Ignacio Ortega, correspond­ente da agência de notícias espanhola Efe que vive há mais de uma década em Moscou e acompanhou todo o processo do país desde a sua escolha.

“Creio que muitos dos problemas que saíram na imprensa internacio­nal são invenções. Estão seguindo tudo que a Fifa pediu e a engrenagem está pronta para funcionar”, completou.

Protestos contra a Copa e contra a Fifa não foram vistos na Rússia, onde manifestaç­ões públicas precisam de autorizaçã­o do governo.

Uma pesquisa oficial divulgada pelo COL apontou que 77% dos russos acreditam que a Copa vai melhorar a reputação do país. O “não vai ter Copa!” não ecoou pelo país-sede.

Já em 10 de junho de 2014, dois dias antes da abertura do Mundial, pesquisa do Datafolha apontou que só 51% dos brasileiro­s aprovavam a realização da Copa no país.

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Funcionári­os montam decoração no estádio em Moscou que abrirá a Copa

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