Folha de S.Paulo

Poderei ensinar minha filha sobre o poder das baixas expectativ­as

- Michele Oliveira Jornalista, já trabalhou nas áreas de esporte, política, cidades e design

Abaixa expec ta tivaéa melhor estratégia de sobrevivên­cia que o brasileiro pode ter. E estamos no caminho certo. Nunca a Copa do Mundo foi tão esnobada por nós como esta que começa nesta quinta (14). O Datafolha mostrou: 53% da população diz ter zero interesse pelo torneio, um recorde desde quando a pergunta começou a ser feita pelo instituto, em 1994.

Metade (48%) do país acredita que a seleção vai ganhara competição na Rússia. Antes do Mundial anterior, esse número era 68%.

Nunca um presidente foi tão rejeitado (82%) como Michel Temer. Há quatro anos, na véspera da Copa no Brasil, Dilma Rousseff, a anfitriã, era reprovada por 28% —praticamen­te uma querida pela população.

Comparando coma depressão coletiva de hoje, em 2014 parecíamos estar animadíssi­mos coma Copa, com o governo, com o Supremo, com tudo. Oque aconteceu depois de toda essa euforia? O 7 a 1, a reeleição, o Romero Jucá de amarelo fazendo um coração comam ã oda mulher, o impeachmen­t e todos esses números tristes da economia.

Esqueçamos a previsão do banco Goldman Sachs, que coloca o Brasil conquistan­do o hexa em cima da Alemanha. Tá na cara que a melhor saída é se livrar de todas as esperanças. De quebra, quem sabe uma coisa boa acontece? Uma simples ida às oitavas de final já soa, nos dias de hoje, como um bom motivo para comemorar. Sugiro a mesma tática para a eleição. Não deveríamos esperar nada e, se ganhar alguém comprometi­do com a democracia, já vai ser bom.

Pessoalmen­te, sei que não preciso de muito para me animar. O que me liga às Copas é a sua imprevisib­ilidade —um evento que dura um mês e é 100% “ao vivo”. Tudo pode acontecer bem aos nossos olhos e, a cada dia, surge um mar de assuntos que duram para sempre nas conversas.

Tudo vira notícia: a escalação (Ronaldo, 1998), o penteado (Ronaldo, 2002), os meiões (Roberto Carlos, 2006), a análise (“a África é logo ali”, 2006), a bola (Jabulani, 2010) e, de vez em quando, até o gol (ou sete, 2014).

Nesta, ainda terei uma razão especial para ligar a TV mesmo na partida entre Senegal e Polônia: será a primeira Copa da minha filha. E quero que ela possa lembrar das próximas semanas como um momento de bandeiras e nomes de países, amigos juntos às 9h de uma sexta-feira, hino nacional, disputas por pênaltis, Galvão Bueno e Canarinho Pistola. Uma ótima oportunida­de de ensiná-la sobre o poder das baixas expectativ­as.

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