Folha de S.Paulo

Um estranho no ninho

Prolífico no teatro, no cinema e na TV, Marco Nanini chega aos 70 anos como um veterano familiariz­ado com grandes plateias, mas que se sente à parte quando observa a atuação de atores mais jovens nas redes sociais

- -Gustavo Fioratti

O ator recifense Marco Nanini colocou os pés na casa dos 70, completado­s no último dia 31, sentindo-se como um bicho exótico no meio de “tanta gente jovem”.

Ele se refere especifica­mente ao elenco da novela das sete “Deus Salve o Rei”, que tem no núcleo central Bruna Marquezine, 22, Rômulo Estrela, 34, Monique Alfradique, 32, Marina Ruy Barbosa, 22, Tatá Werneck, 34, Johnny Massaro, 26, Marina Moschen, 21, entre outros intérprete­s.

O ator foi contratado para uma participaç­ão pequena na trama, investida de época da Globo centrada em disputa entre dois reinos medievais.

Apareceria no início da novela e, depois, no final —que será em julho. O papel cresceu, porém, e Nanini fica “à disposição” para gravar.

Instagram, Twitter e Facebook, entre celebridad­es, tornaram-se ferramenta­s para fazer engordar as audiências na TV —o elenco desta novela é especialme­nte ligadão nas redes, uma prática estimulada dentro da Globo.

Mas o veterano ator do primeiro time da emissora observa de longe. “Olho para eles, todo mundo com o celular na mão, e eu, ao contrário, sempre fiquei totalmente distante desse universo”, diz.

Na novela, que fica no ar até julho, Nanini faz um rei pacífico, Augusto, pai da personagem de Marquezine. Rodou até cena de batalha, cavalgando. Só que era computador­izado. “Colocaram meu rosto na cena digitalmen­te. Não sou capaz de subir em um cavalo, coitado. Fico preocupado com meu peso em cima dele.”

A notícia de que brigou com Marquezine também fora produzida, garante. Há dois meses, replicou-se a informação de que o ator teria se irritado com a colega. O motivo seria o chá de cadeira que ela teria dado na equipe da novela para visitar o namorado, o jogador Neymar, que vive em Paris.

Nanini conta que conversou com Marquezine para desmentir o publicado. “Bruna, em primeiro lugar, quero di- zer que sou a favor dos casais e do amor”, rememora, na sala de casa, um refúgio silencioso na Lagoa, no Rio de Janeiro. “Além disso, alguém tem que tomar conta do nosso craque, a saúde dele é de interesse nacional”, ri, sobre a participaç­ão do jogador na Copa.

A longevidad­e das relações é uma tônica na carreira iniciada nos anos 1960, e a atriz Marieta Severo é o melhor exemplo desse traço de identidade. De “As Desgraças de uma Criança” (1973) para cá, fizeram o filme “Carlota Joaquina” (1995), o televisivo “Comédia da Vida Privada” (1995-1997), “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” (2000, peça com direção de João Falcão), e a série “A Grande Família” (2001-2014).

São papéis de alto alcance popular. Nanini diz que foi com Dercy Gonçalves (19072008) que aprendeu uma lição para se comunicar com grandes plateias. À parte o deboche rasgado, o segredo estaria na pausa e na escuta.

Durante os ensaios do espetáculo “A Viúva Recauchuta­da” (1969), quando Nanini ia soltar o texto, Dercy impingia: “Espera”, ele imita. Passavam dois segundos, ela tocava seu braço, “agora pode falar”.

“Até hoje tenho uma coisa forte com o popular, por causa dessa minha ligação com Dercy”, diz o ator, cercado por uma coleção de pinturas de paisagens de cores fortes. Em sua sala, ainda há a escultura de um leitão de madeira em tamanho natural e uma mesa de centro de cores primárias, do design Matias Marcier.

Outra fonte são as crianças. O ator diz que costuma dar festas em sua casa e, quando convida amigos com filhos, aproveita para entender como os pequenos atuam.

“Eles ficam ali na piscina, e posso ficar horas observando; crianças têm reações absolutame­nte inesperada­s”.

“Circo de Rins e Fígados”, peça grotesca e verborrági­ca criada com dramaturgi­a e direção de Gerald Thomas, explorava esse traço sem filtro. “Seria o próprio Nanini uma espécie de criançona?”, pergunta a Folha ao encenador.

“Acho que o ator tem que ser uma espécie de criança. Para a palavra caber na boca, ela tem que virar onomatopei­a. O adulto tem malícia ou maldade demais para brincar com isso, e Nanini é totalmente solto; é um dos atores mais abertos que já conheci”.

Fora dos palcos, porém, Gerald Thomas o vê como um homem tenso —e constantem­ente preocupado com questões políticas e sociais.

Filho de um gerente de hotel, o ator se mudou de Recife para Manaus pouco antes dos quatro anos (ainda se mudaria com o pai e a mãe para Belo Horizonte e São Paulo).

Da capital amazonense, recorda-se de jogos de botão feitos com sementes de tucumã, e também das portas sempre abertas do Teatro Amazonas, permitindo que a garotada brincasse livremente lá dentro. “Era um sentido de liberdade que nunca mais provei.”

Nanini titubeia antes de assumir a dificuldad­e pessoal para organizar suas próprias contas e a vida burocrátic­a. Mas o produtor Fernando Libonati, seu ex-marido, com quem ainda convive, o desmente em plena entrevista: “Ele tem isso, sim”.

Libonati é hoje quem “cuida de tudo”, ou “o Sancho Pança da relação”, nas palavras da atriz Camilla Amado, velha amiga com quem Nanini trocou alianças (anéis que os dois não tiram do dedo nem em cena). “Que bom artista não tem dentro de si um caos?”, pergunta Amado.

“Você já foi prejudicad­o por não saber lidar com dinheiro?”, questiona a Folha. “Não faço ideia. Se fui, não fiquei sabendo”, responde Nanini.

Juntos, Nanini e Libonati tocam o projeto —quixotesco, diz Amado— do Galpão Gamboa, no Rio, onde há oficinas para a comunidade pobre do entorno. A programaçã­o cultural do espaço minguou neste ano por causa de um corte de patrocínio na prefeitura.

Outra longa parceria foi com Marília Pêra (1943-2015) e Ney Latorraca, no fenômeno tea- tral “O Mistério de Irma Vap”, de Charles Ludlam, pastiche assumido de melodramas vitorianos e filmes de suspense. Mas foi ali também que a amizade com Marília acabou.

A cisão aconteceu por uma somatória de confrontos, conta Nanini, e especialme­nte porque, quando o ator teve um problema nas cordas vocais, a atriz anunciou que ela própria o substituir­ia.

Nanini e Ney Latorraca, parceiro de cena da peça, decretaram autonomia. Marília e Nanini, que já haviam brilhado juntos na TV com uma dupla cômica em “Brega & Chique”, nunca retomaram a amizade.

Gerald Thomas conta que Marília foi vê-lo em “Um Circo de Rins e Fígados”, só que da última fileira e às escondidas.

Nanini não se furta a apontar atributos da velha companheir­a e como se impression­ou com a atuação “deslumbran­te” quando a viu pela primeira vez, na peça “A Moreninha” (1969), adaptada da obra de Joaquim Manuel de Macedo.

Sobre política, fala pouco. Hoje eleitor de Marina Silva, diz que votou no Partido dos Trabalhado­res uma só vez.

Entre as poucas razões que apresenta para não ter repetido o voto, explica o desencanta­mento quando o Ministério da Justiça de Lula, em 2007, decidiu devolver a Cuba dois pugilistas que haviam pedido refúgio político no Brasil.

Olho para eles, todo mundo com o celular na mão, e eu, ao contrário, sempre fiquei totalmente distante desse universo Marco Nanini, ator

 ?? Ricardo Borges/Folhapress ?? O ator Marco Nanini, 70, em sua residência no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro
Ricardo Borges/Folhapress O ator Marco Nanini, 70, em sua residência no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro

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