Brasil perde com disputa comercial de EUA e China
Preço das commodities, das quais o país depende, devem cair; associação revisa projeção do superávit em 2018
O Brasil perderá com a guerra comercial entre EUA e China. Para analistas, a disputa deve deprimir os preços das commodities, das quais o país é dependente.
Segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, a escalada protecionista terá impacto sobre o crescimento mundial, o que reduzirá a demanda por matérias-primas.
Ele previa exportações de US$ 219 bilhões e importações de US$ 168 bilhões para 2018, com superávit de US$ 51 bilhões. Agora, revisa os números para baixo.
Além da escalada protecionista, a greve dos caminhoneiros e barreiras, como as medidas antidumping da China ao frango, prejudicam as exportações. As importações cairão porque o PIB brasileiro desacelerou.
Ontem, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou mais tarifas contra produtos chineses de tecnologia. Ele disse proteger “as joias da coroa” do país, em referência ao Vale do Silício.
Pequim afirmou que o comportamento dos EUA é míope e anunciou, horas depois, tarifas sobre produtos americanos.
Em novo ataque à China, o presidente americano, Donald Trump, anunciou mais tarifas ao país asiático, desta vez sobre US$ 50 bilhões em produtos, principalmente de tecnologia.
Trump disse nesta sexta-feira (15) que está protegendo “as joias da coroa” com a medida —que foi retaliada horas depois por Pequim e inflamou a guerra comercial entre os dois países.
“Nós temos os melhores cérebros no Vale do Silício. São as joias da coroa para este país. E nós vamos protegê-los”, afirmou, durante entrevista à emissora Fox News.
Os Estados Unidos acusam a China de roubo de propriedade intelectual, por meio de acordos com empresas de tecnologia americanas que exigem a transferência de conhecimento para estatais do país.
Por isso, o governo estabeleceu sobretaxas de 25% a 818 produtos chineses como telas do tipo touchscreen, baterias, aeronaves, navios, motores de carros, radares, equipamentos de diagnóstico médico e máquinas agrícolas, entre outros.
A lista deixou de fora, porém, produtos comprados diretamente por consumidores americanos, como celulares, TVs e medicamentos —além de armas, que estavam no primeiro rol de punições, anunciado em abril.
As sobretaxas começam a valer no dia 6 de julho.
Em troca, Pequim anunciou, horas depois, tarifas retaliatórias de 25% a outros 659 produtos americanos, acusando os EUA de adotarem um “comportamento míope”.
“A China não quer uma guerra comercial, mas não temos outra opção a não ser nos opormos fortemente a isso”, informou o Ministério do Comércio chinês.
Para analistas, o Brasil sairá perdendo com a guerra comercial, em particular porque a escalada protecionista deve deprimir preços das matérias-primas.
Embora as exportações de soja e carne suína brasileiras possam ter ganhos, uma vez que Pequim passa a taxar em 25% esses produtos americanos, o resultado global deve ser negativo.
Segundo José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), a guerra comercial vai ter um impacto sobre o crescimento mundial, o que, por sua vez, reduzirá a demanda por commodities.
Para o Brasil, que depende majoritariamente da exportação de commodities e produtos básicos, isso é má notícia.
Castro previa para 2018 exportações de US$ 219 bilhões (R$ 816,9 bilhões), importações de US$ 168 bilhões (R$ 626,9 bilhões), gerando superávit de US$ 50,4 bilhões (R$ 188 bilhões), mas vai revisar os números para baixo.
Exportações foram prejudicadas pela paralisação dos caminhoneiros e barreiras como as medidas antidumping impostas pela China ao frango, e as importações serão mais baixas do que estimava, porque o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro desacelerou.
Castro acrescenta ainda a tendência de queda dos preços das commodities, exacerbada pelas medidas protecionistas.
Já refletindo a cautela dos investidores, a soja fechou em baixa de 2,35% nesta sexta. O petróleo teve queda de 3,83% e o minério de ferro, de 0,11%.
Castro diz não acreditar que o Brasil consiga ganhar mercado dos chineses nos EUA, onde vários produtos manufaturados na China passarão a pagar sobretaxa de 25%.
“Nem com essa tarifa nós nos tornamos competitivos”, afirma. “Ainda mais com a alta dos custos aqui, por causa do aumento do frete, da reoneração da folha e da redução drástica do Reintegra.”
Porém, destaca, o dólar em alta deve agir como uma espécie de barreira para evitar parte do desvio de comércio, impedindo uma enxurrada de produtos chineses.
Entre as retaliações anunciadas pela China está a tarifa de 25% sobre a soja americana, que será um golpe duro: os EUA exportaram 33 milhões de toneladas do produto (US$ 14 bilhões, ou R$ 52,2 bilhões) em 2017 para os chineses.
Para André Nassar, presidente-executivo da Abiove, que reúne empresas do setor, ninguém conseguiria preencher a lacuna da soja americana na China. Mas a tarifa pode gerar um prêmio sobre o preço da soja brasileira.
Segundo ele, o Brasil conseguiria, no máximo, aumentar a produção em 5 milhões de toneladas em um ano. E, mesmo assim, só em 2019, porque a maioria da soja brasileira de 2018 já foi escoada. Mais de 70% dela é escoada até junho, enquanto os EUA
vendem a partir de setembro.
Além disso, para Nassar, existe desincentivo para aumentar a área plantada, por causa da alta no custo do frete.
O Brasil exportou US$ 29 bilhões (R$ 108 bilhões) em soja para a China no ano passado, segundo a Abiove —o país fornece 46% da soja em grão comprada pela China, e os EUA, cerca de 41%.
“Vai ocorrer um ajuste: preços internos da soja nos EUA vão ter de cair, preços vão subir um pouco na China e haverá um prêmio para a soja brasileira”, diz Nassar.
Mas, com a perda das vendas para a China, os EUA vão ocupar parte dos mercados da soja brasileira, como a UE.
Ricardo Santin, diretor-executivo da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), vê uma oportunidade para aumentar a venda de carne suína brasileira na China.
Essas vendas já vinham aumentando desde que a Rússia fechou o mercado para o frango e o porco brasileiro no fim de 2017, alegando ter detectado substâncias proibidas. “Estamos com capacidade ociosa e podemos ocupar um pouco do espaço dos EUA.”
Todas essas projeções, porém, ainda são incertas, porque o tiroteio pode aumentar nos próximos dias.
O presidente americano afirmou que iria impor “tarifas adicionais” em caso de retaliação dos chineses.
A decisão de Trump não recebeu apoio unânime. Entre os “cérebros do Vale do Silício”, por exemplo, há opositores.
Existe a preocupação de que as retaliações acabem por aumentar os preços para os consumidores, mesmo com as exclusões anunciadas.
“Ele [Trump] está tirando dinheiro do bolso de americanos”, disse, em nota, o presidente do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação, Dean Garfield, que representa empresas como Apple, Google, Dell e HP.
Segundo ele, mesmo tarifas sobre itens como sensores e componentes de impressoras já elevam os custos.
Especialistas, porém, apontam que há mais apoio a essas sobretaxas do que às impostas ao aço e ao alumínio.
“Empresas americanas têm encorajado Trump, esperando que essa estratégia convença Pequim a enfrentar problemas com propriedade intelectual”, disse, em artigo, o pesquisador Edward Alden, do Council on Foreign Relations.