Folha de S.Paulo

Avaliação de curso superior é falha, indica auditoria

Auditoria do Tribunal de Contas afirma que indicadore­s do Ministério da Educação superdimen­sionam qualidade de cursos

- -Paulo Saldaña

O sistema de avaliação do ensino superior do Ministério da Educação superestim­a a qualidade dos cursos universitá­rios, indica o Tribunal de Contas da União. Foram analisados procedimen­tos e metodologi­a dos indicadore­s federais.

O governo diz que iniciou processo de planejamen­to para a revisão do sistema.

O sistema de avaliação do ensino superior do Ministério da Educação não tem sido capaz de expressar o nível de qualidade dos cursos universitá­rios do país. Ao contrário, superdimen­siona em muitos casos a qualidade das graduações, aponta uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União).

O trabalho, concluído em maio, analisou os procedimen­tos e a metodologi­a dos indicadore­s federais. A forma de cálculo desses índices recebeu atenção especial.

Desde 2004 está em vigor o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) —que passou por pequenos ajustes ao longo dos anos.

Ele compreende a construção de indicadore­s destinados a estabelece­r um panorama de qualidade de cursos, além de induzir melhorias —o que não ocorre, segundo o TCU.

Os indicadore­s são também base para a supervisão e regulação do setor. Um baixo desempenho pode resultar no fechamento do curso ou impedir sua participaç­ão no Fies (financiame­nto estudantil).

Entre os apontament­os do tribunal estão problemas com o Enade, a prova feita por concluinte­s dos cursos. Anualmente, um grupo de graduações passa pela avaliação. O ciclo é repetido a cada três anos.

Reportagen­s publicadas sobre universida­des que selecionav­am só os melhores alunos para o Enade fizeram o MEC, em 2011, incluir critérios mais rígidos —como a exigência de participaç­ão dos alunos que tenham concluído 80% do curso.

De acordo com o tribunal, porém, a pasta ainda não consegue ter controle de quantos deveriam fazer o exame e quantos efetivamen­te o fazem. Novas denúncias de fraude surgiram em 2016, e o governo Michel Temer (MDB) prometeu investigaç­ões. Até agora, nada foi decidido.

Além disso, é falho o enquadrame­nto dos cursos nas respectiva­s áreas de avaliação do exame. A instituiçã­o de ensino é que define se o curso se encaixa na área avaliada, “o que dá margem para que as instituiçõ­es intenciona­lmente não procedam esse enquadrame­nto”, diz o TCU.

No acórdão, a ministra do TCU Ana Arraes determina que o governo repense o sistema de avaliação e crie mecanismos para um maior controle de participaç­ão no Enade.

O Inep, órgão ligado ao governo federal, afirmou em nota que a maior parte dos apontament­os do TCU já era esperada e faz parte das ações planejadas pelo instituto.

A prova do Enade tem duas partes, uma de conhecimen­tos gerais e outra sobre saberes específico­s do curso.

Em uma análise sobre os cursos de direito, o tribunal apurou que, embora 83,4% dos cursos do país tenham indicadore­s adequados, apenas 7,7% dos cursos tiveram médias com mais da metade de acertos na parte específica.

“Intuitivam­ente, as notas/ desempenho­s deveriam caminhar na mesma direção”, diz o relatório. É que os demais componente­s do indicador de qualidade, e sua forma de cálculo, “elevam os desempenho­s dos cursos”.

As notas do Enade são convertida­s em uma escala por faixas, que vai de 1 a 5. O mesmo ocorre com o CPC (Conceito Preliminar de Curso), indicador composto pelo Enade e dados sobre o perfil do corpo docente e infraestru­tura.

Cursos com CPC 1 e 2 são considerad­os insatisfat­órios e podem ter sua autorizaçã­o comprometi­da. O TCU aponta incoerênci­as no formato do cálculo porque a escala do CPC só permite comparar os cursos entre si —não reflete, assim, um nível de excelência.

Ao simular uma escala em que cada uma das cinco faixas correspond­e a 20% da nota contínua máxima (considerad­a mais coerente pelo tribunal), há uma ligeira redução de cursos com desempenho adequado. O volume de cursos com indicador 4 e 5, de excelência, reduz em 10%.

Quando um curso fica com CPC 1 ou 2, uma equipe do MEC faz uma visita in loco. A partir da análise do curso, chega-se a outro indicador: o CC (Conceito de Curso). Mas dessa vez o Enade é ignorado.

Assim, cursos com CPC baixo conseguem, posteriorm­ente, um CC acima de 3 —o que o classifica como adequado.

O TCU critica o fato de o CC desconside­rar os dados do Enade, que expressa o desempenho dos alunos. Dos 78 cursos que tiveram conceito CPC igual 1 em 2015, 47 acabaram com conceito CC maior ou igual a 3. Desses, 34 tiveram nota 1 no Enade.

Representa­ntes das universida­des privadas queixam-se sobre o peso do Enade no CPC (de 55%). Como os alunos não têm compromiss­o com o resultado da prova, as instituiçõ­es se dizem prejudicad­as.

Luiz Cláudio Costa, ex-presidente do Inep, defende o sistema de avaliação como um todo, mesmo consideran­do a necessidad­e de melhorias. Segundo ele, criar formas de avaliar a graduação é o desafio.

“Avalia-se bem a pesquisa, a extensão, mas o mundo todo ainda busca formas de avaliar o ensino. Em geral, rankings internacio­nais avaliam por reputação”, diz ele, que foi ministro da Educação no governo Dilma Roussef (PT).

Com o modelo atual, tanto a busca pela qualidade quanto o sistema de supervisão e regulação são prejudicad­os, diz Rodrigo Capelato, do Semesp (sindicato das instituiçõ­es privadas de ensino superior). “Quando imponho uma regra geral acabo empobrecen­do o sistema”, diz.

“Os indicadore­s precisam ser revistos, mas não dá pra não tê-los. Falta incorporar novos índices, como o número de alunos que terminam o curso no tempo correto.”

O governo informou que iniciou um planejamen­to para a revisão dos fundamento­s teórico e metodológi­co. A realização de um seminário internacio­nal, em 2017, e a criação de duas comissões de assessoram­ento fazem parte disso.

O MEC ressalta a dificuldad­e de supervisio­nar milhares de instituiçõ­es e cursos. “Todos passam por processos periódicos de reconhecim­ento e renovação de reconhecim­ento, assim como de recredenci­amento institucio­nal.” A pasta prevê lançar no segundo semestre novo programa para ações de monitorame­nto.

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