Folha de S.Paulo

Fundo partidário é 86,5% das receitas de legendas

Dados inéditos disponibil­izados pelo TSE mostram que legendas têm meios muito restritos de se autofinanc­iar sem ajuda do Estado

- Marina Merlo e Gabriela Sá Pessoa

O fundo represento­u, em média, 86,5% dos recursos utilizados pelos 35 partidos que declararam suas contas ao TSE. Os dados são inéditos e foram compilados pela Folha.

Não fossem os recursos públicos que receberam por meio do fundo partidário, os partidos brasileiro­s teriam ficado praticamen­te paralisado­s em 2017.

A verba represento­u, em média, 86,5% de todos os recursos utilizados pelas 34 legendas que declararam suas contas ao TSE.

Os dados são inéditos e foram compilados pela Folha a partir de informaçõe­s do novo Sistema de Prestação de Contas Anuais dos partidos, tornadas públicas na última terça (12). Segundo o TSE, foram repassados R$ 665,8 milhões aos partidos em 2017.

Em um extremo, partidos como PSL, PSDB e Avante praticamen­te não registrara­m outros recursos que não o fundo partidário. De outro, Novo, PCB PR e PT declararam outras fontes significat­ivas de renda —contribuiç­ões de filiados ou doações.

O PSL, partido do pré-candidato à Presidênci­a Jair Bolsonaro, informou que 100% de suas receitas de 2017 vieram do fundo partidário.

Afastado do comando do PSL desde fevereiro deste ano, o ex-deputado federal Luciano Bivar diz que não existe uma cultura de doações a partidos fora da eleição e que os recursos do fundo partidário, em síntese, dão conta dos custos de operação da legenda.

“Em geral, os partidos dependem majoritari­amente do fundo partidário. Quanto menor o partido, maior tende ser a dependênci­a —a não ser os novos, como Rede e Novo, que têm ações de filiação e de captação de recursos”, afirma o cientista político Bruno Bolognesi, coordenado­r do Laboratóri­o de Partidos Políticos e Sistemas Partidário­s da UFPR.

Em 2017, o Novo, de orientação liberal, foi o partido que menos dependeu do fundo: apenas 9% de suas verbas vieram do TSE. No caso da Rede, foram 87,3 % de suas verbas.

Cada filiado do Novo precisa contribuir com um mínimo de R$ 29 por mês. O partido rejeita recursos públicos, mas os recebe e guarda em uma aplicação porque, caso contrário, sua fatia seria repassada a outras legendas. Moisés Jardim, presidente nacional da sigla, afirma que ainda estuda internamen­te como restituir o valor ao Tesouro.

Bolognesi afirma que, como é hoje, o financiame­nto permite que legendas sobrevivam com pouca representa­tividade, servindo para manter o poder de pequenos grupos que as controlam.

No Brasil, todo partido registrado tem direito a uma fatia de 5% do fundo partidário, que é repartida igualmente. Os outros 95% são distribuíd­os a quem tem vaga na Câmara, seguindo a proporção de votos que cada agremiação recebeu na última eleição geral.

“Os partidos que recebem doações têm ligação mais forte com a sociedade. Quanto mais você depende do Estado, mais longe você está de representa­r as pessoas e de prestar contas”, diz Bolognesi.

O cientista político prevê que a aplicação da nova legislação eleitoral —com a cláusula de barreira e o fundo especial de campanha— poderá incentivar que partidos apostem cada vez mais em recur- sos públicos para se manter.

“Ocupar cargos nos estados vai ser cada vez mais importante. E cada vez mais, os partidos vão se afastar da sociedade”, ele argumenta.

Com 61 deputados federais, o PT é o partido que recebe o maior quinhão do fundo partidário (13%). Foram R$ 88,4 milhões disponibil­izados em 2017 pelo TSE, segundo a corte.

Emídio de Souza, tesoureiro do PT, afirma que o partido tem a cultura de incentivar a contribuiç­ão de seus filiados, sobretudo dos que têm cargos eletivos, como forma de educação política.

Neste ano, ele prevê que o percentual de doações deve crescer, consideran­do as campanhas de financiame­nto para ações em prol de Lula

As próprias agremiaçõe­s forneceram os detalhes sobre seus caixas para o TSE e ainda podem retificar as informaçõe­s até 29 de julho. A corte tinha prometido os dados para 1º de junho, mas atrasou por problemas técnicos.

A divulgação dessas informaçõe­s enfrentou resistênci­a de políticos e é consequênc­ia da pressão feita por organizaçõ­es da sociedade civil, como a Transparên­cia Partidária.

“Abre a caixa preta dos partidos —porque era mesmo uma caixa preta”, diz Marcelo Issa, coordenado­r do Transparên­cia Partidária.

Até a criação dessa nova ferramenta, as prestações de contas eram entregues ao TSE em papel. Os documentos eram disponibil­izados ao público em cópias digitaliza­das desses processos, o que tornava impossível uma análise dessas informaçõe­s. O próprio tribunal eleitoral costumava levar cinco anos para julgar as declaraçõe­s apresentad­as.

“Com essa base de dados publicada desse jeito, a gente passa a ter condições de criar ferramenta­s que mostrem indícios de irregulari­dades”, afirma Issa.

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