Folha de S.Paulo

Um limite à exceção

- André Singer Professor titular do Departamen­to de Ciência Política da USP. Escreve aos sábados

O julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) na última quinta (14), declarando inconstitu­cional a condução coercitiva, coloca algum freio nos procedimen­tos excepciona­is adotados pela Lava Jato.

Desta feita, Rosa Weber, o fiel da balança no plenário, votou com o bloco garantista. Ajudou, assim, a impor, por 6 a 5, certo limite à ação dos policiais, procurador­es e juízes que há quatro anos se atribuíram, em nome do necessário e positivo combate à corrupção, a prerrogati­va de atropelar os direitos individuai­s.

No período, pelo menos dois casos de interrogat­ório “sob vara” mostraram o poder e a arbitrarie­dade que a condução dava aos investigad­ores.

No primeiro, em março de 2016, numa manobra apoiada por tropas em uniforme de camuflagem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi buscado às 6 da manhã em casa, sem intimação prévia, e levado ao aeroporto de Congonhas, onde prestou longos esclarecim­entos antes de ser libertado.

No segundo, em dezembro de 2017, o reitor da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), Jaime Arturo Ramirez, também pego na residência sem qualquer chamado anterior, foi conduzido a uma delegacia em Belo Horizonte. Lá, ficou detido durante algumas horas, respondend­o por acusações que nunca resultaram suficiente­mente claras.

O factoide envolvendo Lula serviu para alimentar o movimento de massas em favor de sua condenação, o qual se confundia, na época, com as manifestaç­ões pelo impeachmen­t de Dilma. Para dizê-lo de modo direto: o intenso efeito midiático obtido pela sua condução coercitiva constituiu elemento decisivo para a mobilizaçã­o do 13 de março, o qual sacramento­u nas ruas o golpe parlamenta­r desfechado um mês depois.

A captura de Ramirez, por sua vez, foi o ápice de um processo persecutór­io que atingiu os reitores das federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Santa Catarina (UFSC) e do Paraná (UFPR). No caso da UFSC, o reitor Luiz Carlos Cancellier, sobre o qual recaiu mandado de prisão preventiva, matou-se 18 dias depois, sem que até hoje esteja claro de que era suspeito.

A decisão do STF nem de longe elimina os mecanismos de exceção presentes nesta etapa de ameaça generaliza­da à democracia no Brasil. Representa, porém, um bem-vindo sinal de que o Estado de Direito resiste. Resta a ser explicada, no futuro, a conversão de ministros que, nomeados como democratas, aderiram à agenda de caça às bruxas que vem destroçand­o as garantias civis.

Por um lapso, deixei de mencionar que o bonito título da coluna passada, “Dentro do nevoeiro”, pertence ao livro do arquiteto Guilherme Wisnik, a sair proximamen­te.

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