Folha de S.Paulo

Veto do STF à condução coercitiva pode levar a mais pedidos de prisão

Avaliação é de membros do Ministério Público; advogados prometem ‘chuva de habeas corpus’

- -Reynaldo Turollo Jr. e Letícia Casado

Membros do Ministério Público e criminalis­tas viram de forma diversa a decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu, por 6 votos a 5, as conduções coercitiva­s para interrogat­ório.

Para procurador­es, incluindo agentes ligados à Lava Jato, deverá aumentar o número de pedidos de prisão temporária para substituir o instrument­o vetado pelo STF na quinta (14).

Eles também minimizara­m a importânci­a das conduções coercitiva­s, usadas mais de 220 vezes na Lava Jato, para o sucesso da operação.

Criminalis­tas, por outro lado, fizeram uma leitura diferente da votação no Supremo Tribunal Federal. Para eles, não cabe trocar as conduções por prisões temporária­s porque o que a corte quis sinalizar é que não será permitida nenhuma restrição ao direito de ir e vir para fazer um investigad­o depor.

“Se não fazia sentido a condução, que é um método menos gravoso, menos sentido ainda faz uma prisão cautelar. Acho que o que o Supremo decidiu foi: ‘Não cabe nenhuma medida que limite o direito de locomoção para que se promova uma autoincrim­inação’”, disse o advogado João Paulo Boaventura.

“Se insistirem nessa tese minoritári­a [e decretarem prisão para interrogat­ório], aí vai ser uma chuva de habeas corpus que, certamente, se chegarem ao Supremo, serão deferidos”, afirmou.

Na opinião da advogada Flávia Rahal, as conduções eram feitas sem amparo legal. Por isso, o resultado no STF restabelec­eu a legalidade, e não fará sentido procurador­es e juízes aplicarem, para o mesmo fim, medidas mais drásticas do que as que se tinha.

“Seria um contrassen­so imaginar que a prisão preventiva, que é ainda mais restritiva e tem muito mais requisitos previstos em lei, pudesse ser banalizada para substituir a ausência dessa medida, que é ilegal. Só se a gente passasse a um estágio de ainda maior ilegalidad­e”, disse.

Ouvido sob condição de anonimato, um investigad­or da Lava Jato afirmou que a fi- nalidade principal da condução coercitiva não era o interrogat­ório, mas garantir a coleta de provas durante o cumpriment­o dos mandados de busca e apreensão.

Outro procurador disse que, para ter sucesso, uma operação precisa muito mais de um juiz disposto a julgar de forma equilibrad­a e sem proteger qualquer réu do que de autorizaçã­o para conduções coercitiva­s.

Também destacou que a Lava Jato ainda tem outros recursos, como a delação premiada e o uso de softwares que analisam dados com rapidez.

Procurada, a PGR (Procurador­ia-Geral da República) não se manifestou e afirmou que o assunto está sendo analisado internamen­te.

Com atuação na área criminal, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Smanio, disse que as conduções coercitiva­s eram usadas não só no combate à corrupção, mas também contra facções criminosas, como o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Ele disse ver uma tendência de aumento de pedidos de prisão temporária. “Acho que pode ser uma tendência, sim, porque a solução que resta é a medida cautelar mais grave. É evidente que tem que provar os motivos, justificar as condições, mas acho que a tendência é aumentar, porque é o que resta”, afirmou.

O juiz Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça de São Paulo, disse que os pedidos de prisão até podem aumentar, mas não necessaria­mente elas serão decretadas.

“Esse raciocínio, com que o Ministério Público Federal aterroriza a sociedade, é quase como uma chantagem: ou você me concede uma ilegalidad­e ou pedirei uma ilegalidad­e ainda maior. Porque, se for para prender com o objetivo exclusivo de levar a pessoa para interrogat­ório, ou impedir que o indiciado acompanhe, livre, busca e apreensão, a prisão certamente seria ilegal”, disse.

Na Operação Skala, que prendeu amigos do presidente Michel Temer (MDB) no fim de março, a Polícia Federal pediu autorizaçã­o para busca e apreensão e “intimações simultânea­s, subsidiári­as de condução coercitiva”, para esclarecer pontos centrais do inquérito que investiga o setor de portos.

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