Folha de S.Paulo

Eleitorado litorâneo pode alavancar ex-guerrilhei­ro no 2º turno da Colômbia

Costa abriga deslocados por guerra com grupos armados, sensíveis a discurso de reintegraç­ão de Petro

- -Sylvia Colombo

Teodora Espino, 58, fecha as malas outra vez. Desde 2005, passou por alguns lugares.

“Sou de Meta [no centro do país]. Lá, a cada seis meses havia alguém novo no controle do território. Se fossem só os ‘paras’ [ex-paramilita­res] ou só a guerrilha, a gente se acostumava, pagava a ‘vacina’ [propina] e ia vivendo. Mas era uma confusão —fora os tiroteios, o viver com medo.”

De lá, ela e os dois filhos foram primeiro para Bogotá. “Não gostamos, era muito difícil arrumar trabalho, e não aguentamos o frio.”

A costa, então, foi escolhida para fincar raízes. Primeiro foi Cartagena, mas Teodora temeu que sua filha entrasse na prostituiç­ão, negócio muito ativo na cidade turística. Depois, a opção foi o subúrbio de Barranquil­la, onde os jovens acharam trabalho —e a garota retomou os estudos.

“Acabei de receber notícias do meu povoado. Meus primos disseram que está tudo mais calmo. Estou voltando. Vamos ter trabalho pra reconstrui­r o sítio, mas estou feliz”, conta.

A história de Teodora não é, por ora, a de um movimento massivo. A Colômbia tem uma das mais altas cifras do mundo de deslocados internos pela violência (7,4 milhões, segundo o Acnur, braço da ONU para refugiados).

Porém, o retorno dos chamados “desplazado­s” é cada vez mais comum. Desde 2016, o acordo com as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia) está permitindo que muitos voltem a casa.

Ainda que existam críticas à lentidão da reinserção na sociedade de deslocados e exguerrilh­eiros, a possibilid­ade de regressar à terra natal é um desdobrame­nto positivo. Por isso é que Teodora e o filho votarão no ex-guerrilhei­ro Gustavo Petro no segundo turno da eleição presidenci­al, neste domingo (17).

“Não quero mais guerra, e esse outro [o direitista Iván Duque, que lidera as pesquisas de intenção de voto] vem com um discurso muito agressivo e contra a paz”, conclui.

No bairro Nelson Mandela, favela perto das belezas da cidade turística de Cartagena, há um movimento parecido.

Praticamen­te todos a quem a reportagem entrevisto­u conhecem alguém que está voltando para o interior. Na última terça (12), seu Ramiro (não quis dar sobrenome) cuidava dos arranjos finais para fechar o bar que sustentou por anos sua família, original de Guaviare (centro-sul do país).

“Não pense que aqui foi tranquilo. Bar é onde gangues locais acertam contas. Teve tiro, briga, e eu também pagava ‘vacina’, mas a comunidade é mais leal, abraçou a mim e a minha família”, disse, com os olhos marejados. A região para onde seu Ramiro vai voltar ainda é considerad­a perigosa (tem bandos armados), mas menos que na época da guerra. “Não interessa, vou viver com o que posso lá, perto dos meus parentes. Acordo e penso na minha terra todo dia. É hora de voltar.”

Os deslocados pela violência e os ex-combatente­s de baixo escalão que tentam um lugar na sociedade colombiana são segmentos sensíveis à retórica do esquerdist­a Petro.

Embora seu rival Duque já tenha dito que não vai (nem poderá, legalmente) derrubar o acordo de paz, a população mais afetada pela guerra teme a volta da violência caso o tratado deixe de vigorar.

Isso em explica em parte a força que Petro tem no eleitorado da costa colombiana, onde se concentra grande quantidade de deslocados pelo conflito e onde ele desbancou seu oponente no primeiro turno.

Em seus atos de campanha por ali, o ex-guerrilhei­ro enfatizou que o acordo de paz seguirá sendo implementa­do como está no papel e que, se eleito, ele dará atenção especial aos mais vulnerávei­s do pós-enfrentame­nto.

Por outro lado, a briga de Duque, é com os “cabeças” das ex-Farc, os que cometeram delitos graves, têm muito dinheiro e agora conseguira­m acesso ao Congresso.

Mas essa não é a única razão pela qual Petro está tendo bom desempenho na costa.

Na campanha do segundo turno, Duque concentrou-se em cidades grandes, em regiões onde as classes média e média alta se veem ameaçadas pela inseguranç­a urbana ou por ataques a suas terras arquitetad­os pelas Bacrim (grupos criminosos).

Enquanto isso, Petro apostou em seus dois redutos eleitorais: a juventude em geral (urbana e rural) e os departamen­tos litorâneos.

No primeiro turno, o centro-esquerdist­a Sergio Fajardo saiu em terceiro lugar, com cobiçados 4,6 milhões de votos. As pesquisas estimam que metade deles agora seguirá a orientação daquele candidato (voto em branco), mas a outra pode optar por Petro, segundo o instituto Datexco.

As mais recentes pesquisas mostram uma diferença de 4 a 6 pontos percentuai­s em favor de Duque, bem menos do que a vantagem de 20 pontos da semana pós-primeiro turno.

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Jairo Cassiani - 20.mai.18/Reuters Eleitores de Petro no comício final dele antes do 1º turno, em Barranquil­la

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