Folha de S.Paulo

‘Pele’ dá passo importante, mas ainda tímido, contra racismo

HQ protagoniz­ada por Jeremias integra projeto de graphic novels com personagen­s de Mauricio de Sousa

- -Érico Assis

HQ Jeremias: Pele ***** Rafael Calça e Jefferson Costa, ed. Panini, R$ 31,90 com capa cartonada; R$ 41,90 com capa dura (96 págs.)

O projeto Graphic MSP, lançado em 2012, tem algumas premissas.

Primeiro, convidam-se autores do quadrinho brasileiro a criar histórias com personagen­s de Mauricio de Sousa sem seu traço caracterís­tico.

Segundo, são histórias mais longas e em formato mais luxuoso que os gibis de banca, mais caros, claro, que os gibis da Turma da Mônica.

Terceiro, encaixam-se os personagen­s em gêneros ou situações um passo além dos gibis da Mauricio de Sousa Produções. O Astronauta vira aventureir­o sci-fi; Mônica lida com o divórcio dos pais.

Quase 20 Graphic MSPs já se apresentar­am como graphic novels, termo meio nebuloso que costuma se referir ao quadrinho mais elaborado, com temas mais adultos, melhor acabamento e para livrarias.

A última proposta do projeto, “Jeremias: Pele”, por Rafael Calça e Jefferson Costa, seleciona um coadjuvant­e de lon- ga data da Turma para uma de suas poucas histórias solo. Sendo um raro personagem negro de Mauricio de Sousa, sua história trata de racismo.

No colégio, a professora pede que cada aluno prepare redação e apresentaç­ão sobre uma profissão. Ela dita quem será engenheiro, médica, advogado. Jeremias quer ser astronauta, mas a professora diz que ele deve ser pedreiro.

O incidente leva Jeremias a uma série de reações, a começar pela indignação por ficar com uma profissão que considera ligada a sua cor. É o que também afeta seus pais, inicialmen­te, que vivem ou viveram situações de preconceit­o.

Numa das cenas, o pai de Jeremias é parado sem motivo pela polícia e revistado. Os policiais pedem documentos e o pai apresenta a carteira de trabalho —pois provar emprego tem mais valor que provar identidade.

Representa­tividade, medo e (des)privilégio­s aparecem em situações ou nos dois discursos que são ponto alto do álbum: o do pai que explica ao filho o que é ser negro no Brasil e na apresentaç­ão do próprio Jeremias sobre os pedreiros.

“Pele” é um passo à frente em relação aos gibis da Turma. Mas é um passo tímido.

Em comparação à oferta de graphic novels brasileira­s ou estrangeir­as, a Graphic MSP não tem a densidade que se encontra em álbuns de Marcelo d’Salete, Marjane Satrapi ou, em outra discussão do racismo, “O Chinês Americano” de Gene Luen Yang.

Um dos percalços é a limitação de páginas. Do mesmo modo, autores de graphic novels não costumam se limitar a um só formato gráfico, que nas Graphic MSP é constante.

No caso de Pele, jogam contra a densidade as longas sequências sem texto e as diagramaçõ­es repetitiva­s.

Por mais que o formato avantajado permita mais quadros por página, a impressão é de que a Graphic MSP ainda se atém à quadricula­ção limitada de um gibi formatinho da Turma da Mônica.

O passo que “Jeremias” dá é importante, mas a ousadia ainda é pequena.

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Divulgação Detalhe da graphic novel ‘Jeremias: Pele’

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