Antologia temática reafirma força poética de Ricardo Aleixo
Autor mineiro é considerado hoje um dos grandes nomes da poesia nacional
LITERATURA Pesado Demais para a Ventania Ricardo Aleixo, ed. Todavia, R$ 39,90 (200 págs.) -Guilherme Gontijo Flores Professor de língua e literatura latinas na UFPR e tradutor
Ricardo Aleixo é um dos grandes nomes da poesia brasileira contemporânea, esse é um ponto inquestionável hoje; figura fundamental de uma geração heterogênea que começou a publicar seus livros no começo dos anos 1990, ele é talvez o que mais se destaca pelo experimentalismo constante e pela versatilidade sem medo, que vai do poema em prosa ao visual, passando pelo ensaio e a performance.
Ele já fez de quase tudo: escreveu, cantou, performou dentro e fora do país com o poemanto (uma espécie de parangolé-exu, vestimenta metamorfose em poema), num trabalho de crescente consciência do corpo como artefato poético —assunto do poema “O Poemanto: Ensaio para Escrever (com) o Corpo”.
Mas só agora, 26 anos depois do lançamento de “Festim” (1992), seu primeiro livro, o poeta publica uma antologia; num lugar de destaque, diga-se de passagem, já que é o primeiro livro de poemas da jovem editora Todavia.
“Pesado Demais para a Ventania” —título tirado do poema “Inferno”, que começa com os versos”sob um/ silêncio pesado/ demais para/ a ventania”— é ao mesmo tempo gesto discreto (silêncio pesado) e forte afirmação (a linguagem poética é peso contra a venta- nia) de sua trajetória.
Talvez por isso, em vez de uma antologia mais tradicional (cronológica), Aleixo opta por seguir a antologia pessoal de Drummond e reorganiza os poemas por eixos temáticos de seu percurso poético.
O livro é assim dividido em seis partes, que mostram as obsessões do poeta.
1. “Desde e para Sempre” retoma as origens familiares e religiosas, entre orikis e memórias dos pais, caso do belo poema “Íris”, dedicado à mãe.
2. “Outros, o Mesmo” discute questões de identidade sem cair em estereótipos; ali se lê, por exemplo, “Rosto” e “Conheço Vocês pelo Cheiro”.
3. “Ter Escrito Ainda Não Existe” reúne a metapoesia de Aleixo, e nela vemos como é mais importante o porquê do escrever, em sua dimensão ética e política, do que o desejo de pura beleza, e no poema “Poética” faz-se o lema: “construir sobre ruínas”.
4. “O Coração, Meu Limite” reúne os afetos, sobretudo amorosos, em cenas diversas que revelam a dificuldade de estabelecer limites claros na relação a dois, como é o caso do sexo em “Grau Zero”.
5. “Multidão Nenhuma” registra a experiência urbana, entre Belo Horizonte, Brasília e outras cidades, num espírito contraditório de amor às ruas e negação do que vêm se tornando as metrópoles.
6. “Queridos Dias Difíceis” se concentra em experiências contemporâneas, formando um quadro fragmentário do presente, entremeado de dores e rasgos de alegria.
A seleção é ainda cercada pelos poemas “Língua Lengua” e “Meu Megro”, duas peças fortes em torno da negritude do poeta, que ele ao mesmo tempo afirma e recusa como pura identidade; assim, se a língua que fala é o “pretoguês”, ele nos lembra que “O negro é uma invenção do branco”, para então terminar o livro com “Eu Não Sou Apenas o que Você Pensa que Eu Sou.” Aleixo dá a letra: a vida é muito mais.
Forte Apache Marcelo Montenegro. Ed. Companhia das Letras; R$ 39,90 (120 págs.) -Rodrigo Garcia Lopes Escritor e crítico literário
“Forte Apache” permite um olhar panorâmico para a produção poética de Marcelo Montenegro até aqui: a parte de inéditos que dá título ao volume, de 2017, mais “Garagem Lírica” (2012) e “Orfanato Portátil” (2003).
São poemas quase sempre curtos (uma a duas páginas), em versos livres, leves e imagéticos. Há um pouco de tudo: poemas de amor, anedóticos, meta-poemas, poemas-colagem, mini-reflexões. E outros em que a musicalidade beira a canção (ele acaba de lançar o CD “Tranqueiras Líricas”).
Surgido no começo dos anos 2000, lírico e intertextualista, Montenegro tem nas imagens um de seus fortes: a capacidade de tornar o ordinário extraordinário, provocando estranhamento no leitor.
Este se depara com um “céu esfolado, anjos em triciclos”, “a grama aparada da simplicidade”. Takes e cenas breves como “um cachorro mancando na aurora”. É poesia movida por pequenas epifanias, muitas vezes aparentemente “irrelevantes”: “Canetas que falham ao lado do telefone. / O baque das havaianas na escadaria”. Ou ainda: “a brisa que, / por um microssegundo, / inflou a cortina da sala”.
“Mostre, não explique” é uma boa lição aprendida. Há uma preocupação evidente com a concisão e a música das palavras, mesmo coloquiais. Estas duas características de “Forte Apache” (imagismo e musicalidade) já o diferenciam da prosa aleatoriamente cortada em linhas e batizada de poesia, presente em parte da lírica brasileira hoje.
A anáfora (repetição de uma palavra em versos subsequentes) e o paralelismo (a repetição de padrões sintáticos similares ao longo do poema) são recorrentes em todo o livro.
Por um lado, o uso reiterado desses recursos pode parecer insistente e repetitivo. Por outro, o emprego amarra e estrutura os versos, cria ritmo, funcionando como estratégia de argumento e convencimento poético. Acaba por dar unidade estilística à obra.
O mesmo ocorre com outro elemento formal que se repete na poesia do autor: a citação. O caráter efêmero e intertextual de seus poemas (as citações e referências sendo “peças fundamentais”, como o autor assume nos créditos), sobretudo na mais recente, revela que o poeta fala tanto a partir de seu “eu lírico” quanto da cultura saturada de informações que o rodeia. É um risco que alguns poetas hoje parecem gostar de correr.