Folha de S.Paulo

Energia renovável para reciclar R$ 1 tri

Que a Petrobras e as multinacio­nais paguem caro para explorar petróleo

- Rodrigo Zeidan Doutor em economia pela UFRJ, professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral

Nenhum candidato, até agora, apresentou uma agenda de longo prazo. Bem, temos uma área na qual podemos sair da ladainha do populismo pueril —energias renováveis.

Biomassa renovável, eólica e solar continuam a crescer. Hoje, quase 85% da capacidade total de geração elétrica do país vem de hidroelétr­icas (67%), biomassa (9%) e do parque eólico (8%).

Eletricida­de e combustíve­is para transporte são complement­ares: a produção de etanol gera biomassa renovável; investimen­tos em energia solar melhoram baterias para todos os usos. São vários projetos em curso, que devem adicionar 4 GW (gigawatts) ao parque eólico até 2023; mais ou menos o consumo de 5 milhões de residência­s. O parque solar tem menos de 2 GW de capacidade instalada. Há espaço para muito mais.

Mas os subsídios (até indiretos) a combustíve­is fósseis são grandes barreiras. Em 2017 venderam-se 3.000 carros elétricos no Brasil, enquanto até a Índia já se compromete­u a vender somente carros elétricos em 2030.

A Petrobras custou mais de um Bolsa Família para o Tesouro em 2017 e vai custar ainda mais em 2018.

A empresa destruiu mais de R$ 600 bilhões de valor dos acionistas nos últimos dez anos, numa estimativa bem conservado­ra (realistica­mente, quase R$ 1 trilhão). A conta é simples: é a diferença entre o lucro operaciona­l ajustado pelos impostos e o custo de capital da empresa, já que ela se financia com recursos de terceiros e acionistas.

Em 2017, com ativo econômico de R$ 730 bilhões, seu lucro ajustado foi de R$ 25 bilhões. Uma taxa de retorno de 3,5%. Mal comparando, é como se tivéssemos um imóvel alugado para alguém que paga muito pouco e não dá nem para pagar o financiame­nto ao banco.

A Petrobras pega recursos do Tesouro ao não pagar pelo custo de oportunida­de do nosso dinheiro. Com base no seu plano de negócios, a destruição de valor não para até 2025. Já se foi R$ 1 trilhão. Vem mais por aí.

Precisamos desenvolve­r setores de fronteira. E isso passa por todo o sistema, incluindo o financeiro. Desenvolvi, com outros colegas, um rating de sustentabi­lidade complement­ar ao sistema normal de crédito que bancos usam para empréstimo­s. Assim, uma empresa poderia ser AA+ em risco de crédito, mas BBB em questões de sustentabi­lidade.

Sistemas como esse mudam a forma de tomar decisão de empréstimo­s e poderiam ser adotados por bancos públicos e privados para ajustar as taxas de juros de projetos de investimen­to.

Em vez de criar royalties sobre vento —a tresloucad­a ideia proposta por um deputado—, deveríamos extinguir os subsídios ao setor de óleo e gás. Que a Petrobras e as múlti paguem caro para explorar petróleo. Em vez de aprovar megalomaní­acas hidroelétr­icas no Norte e investimen­tos colossais em petróleo, excelentes em produzir propinas mas não energia, focaríamos plantas eólicas e solares.

A péssima gestão, política e empresaria­l, do petróleo levou o setor sucroalcoo­leiro quase à bancarrota. Estávamos caminhando para o etanol de segunda geração com produtivid­ade crescente, mas inviabiliz­amos sua expansão ao continuar a subsidiar gasolina e diesel.

Nem precisamos de um Proálcool, como no passado; basta não atrapalhar. Podemos construir um futuro no qual conciliamo­s os interesses sociais e ambientais, sem transferir renda de toda a sociedade, com a ideia de que um dia a conta fecha, para uns poucos agraciados na cadeia de óleo e gás. Enquanto isso, o buraco só aumenta.

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