Folha de S.Paulo

Ter 20 colunistas homens para o Mundial sempre foi natural; não é mais

Foi editora na Folha por 16 anos e é sócia da consultori­a de cultura urbana Rolê

- Lulie Macedo

Lulie Macedo

Juro que tentei me concentrar na bola e evitar a “questão de gênero”, mas, você sabe, mulher adora mimimi —e não entende nada de futebol.

A ideia para este texto era discorrer graciosame­nte sobre os dois primeiros dias de Copa, escolher um assunto e aplicar o “ponto de vista feminino” (a cerimônia de abertura? Os jogadores mais gatos?) e então cagar a humilde regrinha feminina que me cabe (mas, porra, mulher falando palavrão é tão feio!).

Só que a pergunta aí do título não permitiu. Martelou a semana toda. Quando é assim, melhor aceitar porque dói menos: estou aqui porque sou mulher.

A primeira reação foi de lisonjeio misturada com desconfort­o. O editor ao telefone: “Gostaríamo­s de te convidar para escrever durante a Copa”. Eu: “Legal, mas por quê? Vocês vão fazer o cercadinho das mulheres? Preencher cota? Tem um tema específico ou é ‘só para ter mulher’?”.

Sim, estou aqui porque sou mulher. Não tenho repertório futebolíst­ico, apesar de ser corintiana por herança genética e espectador­a do Linha de Passe por masoquismo. Mas acredito que antes disso estou aqui porque a gente está mudando. Juntos. Juntes, juntxs, como quiserem.

Porque sempre foi natural escalar 20 colunistas homens para a cobertura da Copa (ou para o que for) sem ficar incomodado. Não é mais. E é importante sublinhar o desconfort­o —e, para os que não se incomodam, é só questão de tempo.

Sim, precisa ter mulher, e tudo bem colocar isso como meta. Precisa ter mulher, e não só aquelas que ralaram muito o cu na ostra para provar que, APESAR de serem mulheres, entendem pra caralho de futebol (salve Fernanda Gentil, Mayra Siqueira, Gabriela Moreira, Camila Mattoso, Isabelly Morais e todas vocês). Vai ter mulher especialis­ta, mulher leiga, mulher boleira, mulher de paraquedas (a minha cota).

Precisa ter mulher, porque sim. Porque somos mais da metade da população do país. Porque, se a gente se interessa menos por futebol (61% das minas não dão a mínima, segundo o Datafolha), talvez seja porque uma mulher narrou um jogo de Copa pela primeira vez na TV brasileira na última quinta.

E o que eu vou fazer ali escrevendo sobre Copa?, perguntei a uma amiga. “Ocupar esses espaços”, ela respondeu. (E, sobre os palavrões, taí Robbie Williams pra nos mostrar que uma dose de insubordin­ação tem sua função e não faz mal a ninguém.)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil