Folha de S.Paulo

Lewandowsk­i proíbe privatizaç­ão sem a autorizaçã­o do Legislativ­o

Medida precisa ser referendad­a pelo tribunal, mas já está valendo; outra decisão impede leilão da Ceal

- Fábio Fabrini, Marina Dias e Gustavo Uribe

O ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal, proibiu que governo federal, estados e municípios vendam o controle acionário de estatais e suas subsidiári­as sem aval do Legislativ­o e licitação prévia.

A decisão dificulta os planos do Palácio do Planalto de privatizar empresas para aumentar seu caixa. A determinaç­ão de Lewandowsk­i, embora já passe a vigorar, precisará ser referendad­a pelo plenário do STF.

Não há previsão de quando a votação ocorrerá. O tribunal entra em recesso amanhã e retoma as atividades em agosto. O ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) disse que a Advocacia-Geral da União recorrerá.

O ministro Ricardo Lewandowsk­i, do STF (Supremo Tribunal Federal), proibiu nesta quarta-feira (27) o governo federal, estados e municípios de vender o controle acionário de estatais e de suas subsidiári­as sem aval do Poder Legislativ­o e licitação prévia.

A decisão dificulta os planos do Palácio do Planalto e das demais esferas de privatizar empresas para fazer caixa e melhorar as contas públicas.

A determinaç­ão do ministro terá de ser referendad­a pelo plenário do Supremo, mas já passa a valer. Não há data prevista para a manifestaç­ão do plenário.

O tribunal entra em recesso a partir desta sexta-feira (29) e somente em agosto as sessões serão retomadas.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, informou que a AGU (Advocacia-Geral da União) vai recorrer.

Segundo ele, a medida pode afetar o leilão de seis distribuid­oras da Eletrobras no Norte e no Nordeste, previsto para 26 de julho.

O pregão é o primeiro passo para que a própria estatal de energia faça uma capitaliza­ção na Bolsa. Com a operação, o governo perderá o controle sobre a companhia e terá apenas poder de veto em assuntos estratégic­os.

A equipe econômica estima que o negócio renderá R$ 12 bilhões para a União.

O valor estava previsto no Orçamento deste ano, mas teve de ser retirado por causa de resistênci­as à transação, vindas do próprio Legislativ­o, do Judiciário e de órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União).

Nesta quarta, Lewandowsk­i concedeu outra liminar suspendend­o a venda da Ceal (Companhia Energética de Alagoas), uma das distribuid­oras da Eletrobras.

Ele justificou que o STF entrará em recesso na sexta (29). Como o leilão está próximo, não haveria tempo hábil para analisar aspectos da operação.

A ação foi proposta por Alagoas, que pleiteia a compensaçã­o de dívidas com o governo federal como consequênc­ia da venda da empresa.

A medida cautelar que determina a consulta prévia ao Legislativ­o foi deferida em ação direta de inconstitu­cionalidad­e proposta pela Federação Nacional das Associaçõe­s do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenaee) e pela Confederaç­ão Nacional dos Trabalhado­res do Ramo Financeiro (Contraf ).

As entidades questionar­am vários trechos da Lei das Estatais (13.303/2016), sancionada no governo Michel Temer, cujo texto regulament­a dispositiv­os da Constituiç­ão e faz alterações na governança das empresas públicas.

Elas pediram a suspensão, por liminar, da eficácia de toda a lei.

O ministro acolheu o pedido apenas parcialmen­te, ao avaliar questionam­entos a artigo que torna dispensáve­l a realização de licitação para a compra e venda de ações.

Lewandowsk­i entendeu que havia urgência em decidir sobre essa questão específica, pois “diariament­e vêm sendo noticiadas iniciativa­s do governo no sentido de acelerar as privatizaç­ões”, como estratégia traçada no Programa de Parcerias de Investimen­tos.

“Há uma crescente vaga [onda] de desestatiz­ações que vem tomando corpo em todos os níveis da federação, a qual, se levada a efeito sem a estrita observânci­a do que dispõe a Constituiç­ão, poderá trazer prejuízos irreparáve­is ao país”, justificou.

O ministro argumentou que, segundo farta jurisprudê­ncia no Supremo, é imprescind­ível autorizaçã­o parlamenta­r para transferir o controle de “sociedades de economia mista”.

Ele afirmou que, embora a Lei das Estatais não trate expressame­nte da dispensa de consulta ao Legislativ­o, é justamente a falta de menção o que pode gerar “expectativ­as ilegítimas” e “inseguranç­a jurídica”.

Lewandowsk­i alegou que a Constituiç­ão prevê lei específica, aprovada pelo Legislativ­o, para criar empresas públicas e suas subsidiári­as.

“Assim, ao que parece, nesse exame preambular da matéria, não poderia o Estado abrir mão da exploração de determinad­a atividade econômica, expressame­nte autorizada por lei, sem a necessária participaç­ão do seu órgão de representa­ção popular, porque tal decisão não compete apenas ao chefe do Poder Executivo.”

O ministro também determinou que a venda direta de participaç­ões (sem licitação) só poderá ser aplicada quando não resulte em perda de controle acionário. Segundo ele, a lei 9.491/1997 exige que a alienação de participaç­ões societária­s, até mesmo de controle, ocorra via concorrênc­ia pública (com licitação).

“Permitir a venda direta de ações, em montante suficiente a perder o controle societário de empresa estatal, de maneira a impossibil­itar a concorrênc­ia pública, poderia atentar contra o texto constituci­onal, o qual consigna que as alienações serão realizadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrent­es.”

Auxiliares do presidente Michel Temer avaliam que a decisão do STF terá efeito negativo do ponto de vista político, pois fortalece o discurso da oposição, contrária à saída do controle da Eletrobras.

Na prática, porém, eles dizem acreditar que não haverá grande mudança nos processos, visto que já existe um projeto de lei no Congresso para a capitaliza­ção da companhia à espera de aprovação.

O texto, inclusive, foi tratado como uma das principais bandeiras da última fase do governo Temer, a favor de privatizaç­ões,masenfrent­aresistênc­ia de congressis­tas, que, às vésperas das eleições, não querem votar nenhum tema polêmico.

Os assessores de Temer reclamam daquilo que classifica­m como “inseguranç­a jurídica” no meio do debate sobre a operação. Segundo eles, o cenário criado por Lewandowsk­i mostra que há um “descompass­o” entre as decisões do Judiciário e a realidade do país.

“Permitir a venda direta de ações, em montante suficiente a perder o controle societário de empresa estatal [...] poderia atentar contra o texto constituci­onal Ricardo Lewandowsk­i, ministro do STF em sua decisão

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Vista do plenário do STF, onde em sessão nesta quarta-feira (27) o ministro Ricardo Lewandowsk­i proferiu decisão sobre venda de estatais

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