Folha de S.Paulo

Globalizaç­ão do futebol pode ter vitimado os alemães

Seleção da Alemanha pode ter sido vítima da globalizaç­ão do futebol

- Laura Carvalho

Em mais uma Copa do Mundo cheia de tropeços, a classifica­ção da Argentina na bacia das almas pode até não surpreende­r. Mas não se pode dizer o mesmo da eliminação da tetracampe­ã Alemanha pela Coreia do Sul de Son Heung-min, do Tottenham.

Na tentativa de explicar o inexplicáv­el, um artigo publicado em 2006 pelo economista Branko Milanovic, exBanco Mundial e atual professor da City University of New York, pode ajudar.

Segundo o estudo, a maior circulação de jogadores entre os diferentes países do mundo contribuiu para aumentar o nível de desigualda­de entre os clubes e, ao mesmo tempo, para reduzir a desigualda­de entre seleções. Ao contrário do que acontece na economia, na caixinha de surpresas do futebol, a Alemanha pode ter sido vítima da globalizaç­ão.

A principal mudança teria vindo com a Lei de Bosman, que carrega o nome do jogador que processou o Liège F.C., a federação belga e a Uefa, em 1995, por tentar impedir sua transferên­cia para um clube francês. Na ocasião, as cotas máximas de dois ou três jogadores estrangeir­os por equipe foram julgadas incompatív­eis com o Tratado de Roma e a livre circulação de trabalhado­res na União Europeia.

O fim de tais limites para jogadores europeus acabou abrindo espaço para ampliar muito a cota de jogadores não europeus ou para extingui-la totalmente, como no caso da Espanha e do Reino Unido. A circulação maior de jogadores acompanhou o processo de mercantili­zação de clubes europeus, que passaram a ser administra­dos como grandes empresas por oligarcas e investidor­es nacionais ou estrangeir­os.

Milanovic analisa os efeitos desse fenômeno sobre duas medidas, que refletem a desigualda­de na qualidade dos times que participam da Liga dos Campeões. A primeira é baseada no número de times que chegaram às quartas de final em cinco anos. A máxima concentraç­ão ocorreria se os mesmos oito times chegassem às quartas no período, por exemplo.

A segunda medida tenta capturar a diferença de qualidade entre os times de elite, atribuindo quatro pontos para o campeão, três para os finalistas, dois para cada semifinali­sta e apenas um para quem jogou as quartas.

O autor conclui que, desde o fim dos anos 1980, a desigualda­de entre clubes aumentou por ambas as medidas: menos clubes chegaram às quartas e houve maior concentraç­ão de pontos entre os clubes da elite.

Já para analisar a desigualda­de entre seleções nas Copas, Milanovic observa quantos “novos” times se classifica­ram para as quartas de final e a diferença de gols entre os oito finalistas. Os resultados mostram que, após um período de forte domínio dos times mais tradiciona­is no futebol (Brasil, Alemanha, Argentina e Itália) nos anos 1970 e 1980, as quartas de final passaram a contar com ao menos dois times novatos em cada Copa.

Além disso, a diferença de gols após as quartas, que excedia 1,5 gol entre 1962 e 1978, caiu para 1, em média, após 1982. Essa diferença também caiu quando se incluem os jogos das oitavas e da fase de grupos, mesmo com o aumento no número de seleções participan­tes. Milanovic atribui o fenômeno à maior presença de jogadores atuando no futebol europeu de alto rendimento em seleções de países pobres.

A desigualda­de menor entre seleções à custa de uma desigualda­de maior entre os clubes significa que a globalizaç­ão no futebol, assim como em outras áreas, não trouxe apenas benefícios. Que a atualidade do artigo sirva de consolo ao economista sérvio que, felizmente, não pôde assistir nesta quarta-feira (27) ao tropeço que gostaria.

DSTQQ S S Samuel Pessôa | Marcia Dessen | Nizan Guanaes; Benjamin Steinbruch | Alexandre Schwartsma­n | Laura Carvalho | Nelson Barbosa; Pedro Luiz Passos | Marcos Sawaya Jank; Rodrigo Zeidan

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