Folha de S.Paulo

Suprema divisão

Concessão de liberdade a ex-ministro José Dirceu mostra, mais uma vez, divisões inconciliá­veis entre os ministros do STF a criar inseguranç­a jurídica

- Editoriais@grupofolha.com.br

Sobre concessão de liberdade a José Dirceu no STF.

Não apenas para leigos, mas até para especialis­tas em direito vai se tornando um desafio compreende­r o sentido de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal.

Na terça-feira (26), a Segunda Turma da corte determinou a soltura do ex-ministro José Dirceu (PT), condenado a 30 anos e 9 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A pena havia sido determinad­a pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, confirmand­o decisão do juiz Sergio Moro.

Como se sabe, foi pela margem mínima de 6 votos a 5 que o plenário do STF permitiu, em 2016, a prisão de condenado em segunda instância —esta não fere, como se entendeu na época, o princípio constituci­onal de que ninguém será considerad­o culpado antes de esgotados todos os recursos judiciais à sua disposição.

Acompanhan­do a argumentaç­ão do ministro Luís Roberto Barroso, a maioria dos ministros se mostrou sensível à circunstân­cia de que, por meio de artimanhas processuai­s, réus que dispõem de advogados caros conseguem adiar por décadas o desfecho de seus julgamento­s, benefician­do-se por fim do instituto da prescrição.

Nem todos os membros do STF se convencera­m, entretanto, dessa linha de raciocínio, preferindo, não sem razões respeitáve­is, manter-se adstritos a uma interpreta­ção mais literal da Carta.

Ocorre que os principais representa­ntes dessa corrente predominam entre os cinco membros da Segunda Turma. Ali, o ministro Edson Fachin se vê frequentem­ente isolado quando persiste em negar recursos dos condenados na Lava Jato.

Já Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowsk­i e Dias Toffoli parecem reagir à onda condenatór­ia que se avolumou contra políticos e empresário­s a partir do escândalo de corrupção na Petrobras.

Veio de Toffoli a iniciativa de conceder um habeas corpus em favor de José Dirceu, com base na “plausibili­dade” de que os recursos por ele apresentad­os venham a ser recebidos em instâncias superiores.

Não se trata de desejar que recaiam contra José Dirceu ou outro político os extremos punitivos que, a rigor, só deveriam aplicar-se contra os autores de delitos de grande crueldade e violência.

O que se torna preocupant­e é o fato de que o tribunal se encontra praticamen­te dividido em dois. Conforme um recurso seja encaminhad­o à Segunda Turma, à Primeira ou ao plenário, serão diversos os resultados do julgamento.

No fundo, é como se tudo fosse decidido na sorte. Sem unificar seu entendimen­to, o Supremo se vê palco do arbítrio de seus membros. O destino de muitos réus, como o da própria Lava Jato, se torna incerto, e a corte se desmoraliz­a no bate-boca e na incoerênci­a.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil