Folha de S.Paulo

Anos contados

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Acerca de envelhecim­ento da população brasileira.

Num exemplo singelo do que os linguistas chamam de autorrefer­ência, a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Ipea, afirma que o conceito de idoso envelheceu.

Forjado em 1994, ele definia a pessoa com mais de 60 anos de idade. De lá para cá, porém, a expectativ­a de vida do brasileiro deu um salto de seis anos, como apontou a estudiosa em entrevista a esta Folha.

Reflexos dessa mudança aparecem na legislação. O Estatuto do Idoso é aplicado aos que têm mais de 60; para receber o Benefício de Prestação Continuada, são 65, mesma faixa do transporte gratuito. A meia-entrada vem aos 60; para a aposentado­ria compulsóri­a no serviço público, a marca há pouco foi elevada dos 70 para os 75.

Como bem observa Camarano, impõe-se igualar as idades exigidas nas diversas políticas públicas. Hoje, faz mais sentido fixá-las em patamar mais elevado. Afinal, as projeções indicam que, entre 2010 e 2050, a população brasileira com mais de 60 anos triplicará.

O envelhecim­ento demográfic­o é fenômeno complexo, que encerra pontos positivos e negativos para os quais o Brasil precisa se preparar.

Intrinseca­mente, trata-se de uma boa notícia. Significa que pessoas vivem mais que no passado. A maior parte desse ganho vem da redução da mortalidad­e infantil, mas também se percebem avanços na longevidad­e.

Essa alteração na pirâmide etária traz desafios. O país terá chance de economizar nas verbas destinadas à educação básica, por exemplo, mas necessitar­á gastar muito mais em saúde, com o aumento da população propensa a padecer de enfermidad­es crônicas.

O problema mais urgente, contudo, é o da Previdênci­a. Aqui se adota o sistema de repartição simples, pelo qual os trabalhado­res na ativa financiam os que já se aposentara­m. Em 2013, havia 9,3 pessoas no mercado para cada idoso. Em 2030, essa relação cairá para 5,1 e, em 2060, para 2,3.

Se nada for feito, as aposentado­rias acabarão por consumir 25% da renda nacional, algo insustentá­vel em qualquer parte do mundo.

A pior notícia, porém, vem do campo das oportunida­des desperdiça­das. O regime previdenci­ário, afinal, pode ser reformado, ainda que haja enormes obstáculos políticos para tal empreitada.

O que não se pode alterar é o fato de que o chamado bônus demográfic­o —o período de aumento da população em idade de trabalhar— se fecha em 2020.

Este é um momento que as nações aproveitam para enriquecer. Já o Brasil, por erros próprios, caminha para uma década perdida.

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