Folha de S.Paulo

Nós não somos fundamenta­listas

Não se citam divindades em nossa defesa de Israel

- Fernando Lottenberg Advogado e presidente da Conib (Confederaç­ão Israelita do Brasil)

Gilberto Gil e Jom Tob Azulay voltaram a escrever nesta Folha (“Israel, entre o sagrado e o profano”, 21/6) sobre o conflito árabe-israelense. Desta vez, no entanto, não só para acusar Israel de forma injusta. Em seu segundo artigo, a dupla prefere atacar a mim e a “meus seguidores” (?). E, em vez de argumentar­em, tentam deslegitim­ar quem pensa de forma diferente, agora com atribuiçõe­s infundadas.

Além de me atacarem por coisas que não disse —sugerem que acusei a União Europeia de antissemit­ismo, quando em meu texto (“Para além do maniqueísm­o”, 10/6) nem mesmo consta a palavra Europa—, acusam-me (e a meus supostos seguidores) de ser o que não sou: “São fundamenta­listas, creem que Israel deve sua existência a um desígnio de Deus, conforme inscrito na Bíblia.”

Novamente, não há nenhuma menção a divindade ou textos religiosos em meu artigo.

Eles ainda me acusam de usar tática dissimulad­ora, comparando essa imaginada dissimulaç­ão aos americanos que votaram em Donald Trump. Tentar colar Trump em quem diverge já faz parte do repertório mais recente de ofensas.

Já meu objetivo não é atacar Azulay e Gil. É defender posições e argumentar com fatos diante da constataçã­o de que os dois acabam por apoiar, talvez involuntar­iamente, aqueles que buscam deslegitim­ar Israel perante o mundo. Criticar governos de turno de Israel, como israelense­s e judeus fazem habitualme­nte, é direito de todos que buscam um governo melhor ou com o qual se identifiqu­em.

Já quando a crítica passa ao patamar da demonizaçã­o de um país —e da ideia que ele representa—, estamos diante do velho antissemit­ismo, agora reciclado pelo mais palatável antissioni­smo.

Seria muito bom se a ONU pudesse atuar como parte da solução de todos os conflitos do Oriente Médio. É dentro da moldura das organizaçõ­es internacio­nais que a solução pacífica de conflitos tem seu locus natural. Mas, examinando sua atuação nas últimas décadas, o equilíbrio tem sido escasso. Como explicar que Israel, democracia vibrante, tenha sido objeto de praticamen­te a metade das condenaçõe­s do seu Conselho de Direitos Humanos e o país com maior número de condenaçõe­s na Assembleia Geral?

E, ainda, que a Unesco venha decidindo que o povo judeu não tem laços históricos com Jerusalém?

Desde a infame resolução de 1975 igualando o sionismo ao racismo, só revogada em 1991, a ONU vem perdendo legitimida­de para atuar como terceiro isento, ou um “honest broker”. O próprio ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon disse: “Décadas de manobras políticas (na ONU) criaram um volume desproporc­ional de resoluções, relatórios e conferênci­as criticando Israel. Em muitos casos, em vez de ajudarem os palestinos, essa situação compromete­u a capacidade da ONU de cumprir seu papel de forma efetiva”.

Quanto à Europa, berço do antissemit­ismo mais letal, ela vem se tornando novamente terra de risco para as comunidade­s judaicas. O triângulo formado por extrema direita, extrema esquerda e islamismo extremista, impulsiona­do pelo antissioni­smo, fez explodir os ataques antissemit­as. Andar pelas ruas europeias exibindo símbolos judaicos tornou-se atividade de alto risco pessoal.

Ver um artista da sensibilid­ade e grandeza de Gil atacar Israel de forma unilateral e desinforma­da entristece. Em seu segundo artigo, mais uma vez, não há crítica aos ataques terrorista­s contra civis israelense­s ou à recusa em se aceitar a existência de Israel como Estado soberano.

Termino chamando Gil e Azulay para uma conversa amistosa e franca, sem preconceit­os, para que possamos debater com abertura e sobriedade a situação de Israel e de seus vizinhos. Não, nós não somos fundamenta­listas.

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