Folha de S.Paulo

Libertação de José Dirceu aprofunda divisões entre ministros do STF

Gilmar comemora ‘Supremo voltando a ser Supremo’ e Fachin, relator da Lava Jato, minimiza série de derrotas em turma da corte

- Reynaldo Turollo Jr.

A decisão da Segunda Turma de soltar condenados em segunda instância, como o ex-ministro José Dirceu, aprofundou as divisões entre ministros do Supremo Tribunal Federal e as críticas que fazem entre si, e serviu para reabrir o debate sobre a execução provisória da pena (antes de esgotados todos os recursos).

Nesta quarta (27), dia seguinte à votação que, por 3 a 1, determinou a soltura de Dirceu e de um ex-assessor do PP, João Cláudio Genu, ministros, porém, empenharam-se em afirmar que a corte trabalha em clima de normalidad­e.

Questionad­o, Gilmar Mendes afirmou que as solturas não constituír­am nenhuma novidade. “Estamos caminhando bem, o Supremo voltando a ser Supremo”, disse, ao enumerar uma série de decisões recentes nas quais o relator da Lava Jato, Edson Fachin, foi voto vencido.

“Acho que tivemos boas decisões no plenário, acho que a gente está voltando para um plano de maior institucio­nalidade. A decisão recente sobre a questão das conduções coercitiva­s acho que coloca bem claro qual é o padrão de Estado de direito que deve presidir o país”, afirmou.

O plenário proibiu conduções coercitiva­s para interrogat­ório de investigad­os, prática que foi comum na Lava Jato. Na votação, por 6 a 5, Fachin integrou o grupo minoritári­o.

“Tivemos uma discussão muito relevante no que diz respeito ao caso Gleisi e Paulo Bernardo [que foram absolvidos na Segunda Turma], acho que também aqui o tribunal afirmou o que é o significad­o das delações [que seriam insuficien­tes para condenar]”, continuou Gilmar.

Fachin, também nesta quarta, minimizou o isolamento que enfrenta na Segunda Turma, do qual a sessão de terça é bom retrato. Ele foi o único que divergiu em quatro julgamento­s que beneficiar­am os acusados.

“Eu creio que é equivocado falar-se em vitória, eis que juízes não têm causa, quem tem causa é a parte. O colegiado é formado de posições distintas, o dissenso é natural, e é por isso que nessa mesma medida os julgamento­s se deram todos à luz da ordem normativa constituci­onal e cada magistrado aplicando aquilo que depreende da Constituiç­ão”, declarou.

Fachin disse que as convicções pessoais dos juízes ficam do lado de fora da sala de julgamento­s. “É isso que me dá paz na alma para fazer os julgamento­s como entendo que devam ser, à luz dessa que é a ideologia única que orienta o magistrado, que é a ideologia constituci­onal.”

Integrante da Primeira Turma, Marco Aurélio voltou a afirmar que o plenário deveria ter julgado, bem antes da prisão do ex-presidente Lula, as ações de sua relatoria que discutem de forma genérica a constituci­onalidade da prisão em segunda instância.

Ele liberou duas ações para o plenário no final do ano passado, e outra que pedia urgência em abril, mas a presidente da corte, Cármen Lúcia, não as incluiu na pauta. “Estou aqui há 28 anos e nunca vi manipulaçã­o da pauta como esta”, disse Marco Aurélio.

No STF, é visto como muito provável que a maioria da Segunda Turma teria soltado Lula na terça se tivesse analisado o pedido de sua defesa que tramita na corte. Mas o relator da petição de Lula, o ministro Fachin, decidiu remeter o caso ao plenário, composto pelos 11 ministros.

A decisão de Fachin, entendida por colegas e pessoas do mundo jurídico como manobra para fugir do isolamento na turma, é o que dificulta agora a estratégia da defesa do ex-presidente. O pedido só deverá ser liberado para julgamento no plenário em agosto, após o recesso do Judiciário, e ali o resultado é incerto.

Na turma, o fundamento das decisões sobre Dirceu e Genu poderia ser aplicável a Lula, preso em Curitiba desde abril. Para o relator Dias Toffoli, em voto vencedor seguido por Gilmar e Lewandowsk­i, se há chances de as penas serem reduzidas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), justifica-se a suspensão da execução provisória.

A defesa de Lula pede a suspensão dos efeitos da condenação no caso do tríplex de Guarujá “com base na plausibili­dade recursal”. Um dos pontos diz respeito à dosimetria (o tamanho da pena), fixada em 12 anos e 1 mês para corrupção e lavagem.

Na manhã desta quarta (27), Dirceu, solto na madrugada, não quis falar à imprensa e se limitou a palpitar sobre o último jogo do Brasil na fase de grupos da Copa do Mundo da Rússia. “1 a 0 está bom”, disse o político.

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