Folha de S.Paulo

Esperar e receber

Ministros do STF vão para as férias escolares e deixam muitos deveres inacabados

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

Lá se vão os ministros do Supremo para as férias escolares. Deixam muitos deveres inacabados. Com isso, deixam também incertezas e inseguranç­as cujo efeito é submeter o país ao que no tribunal mesmo chamam de “instabilid­ade jurídica”.

O ministro Marco Aurélio Mello fez uso, a propósito, de um termo talvez nunca aplicado ao Supremo: “manipulaçã­o”. Assim se referiu à recusa da presidente Cármen Lúcia, que se concedeu exclusivid­ade na definição da pauta de julgamento­s, a agendar a apreciação de determinad­as ações prontas para tal desde dezembro. O previsto é que a posição da ministra seria vencida.

As ações, no caso, questionam a compatibil­idade, com a Constituiç­ão, da prisão de réus no primeiro nível de recursos contra a condenação —a segunda instância, dos desembarga­dores. A Constituiç­ão, porém, determina que a prisão só se dê depois de esgotados, pela defesa, os recursos a todos os níveis. Há pelo menos dois componente­s polêmicos na decisão por um voto pela prisão antecipada. Um, a sua compatibil­idade, ou não, com a ordem constituci­onal. Outro, a competênci­a para modificar princípio da Constituiç­ão, o que compete ao Congresso.

Com a “manipulaçã­o” da agenda, como Marco Aurélio “nunca viu em seus quase 30 anos de Supremo”, Cármen Lúcia deixa essa e outras complicaçõ­es em suspenso. Presos ou soltos, não só da Lava Jato, são muitos milhares os pendentes da confirmaçã­o ou correção do desvio pelo Supremo.

Mas esse é um caso simbólico, não o único do estado tumultuoso que incentiva outros na pretendida casa das decisões convincent­emente orientador­as.

O ministro Edson Fachin, por exemplo, deixou sinais de “manipulaçõ­es” nos últimos dias. Depois que pediu o julgamento de uma ação no dia 26, terça passada, Fachin fez o repentino arquivamen­to dela. Era o pedido de libertação de um preso porque os falcões do Tribunal Federal da 4ª Região, a da Lava Jato, protelavam a apreciação de recursos do réu.

O que se passou foi a corrida da vice-presidente do TRF4, Maria de Fátima Freitas (?!) Labarrère, para dar uma decisãozin­ha na ação retida, e menos de uma hora depois o arquivamen­to, no Supremo, estava feito por Fachin. Não são necessário­s mais sinais de armação.

Em outro caso, este na última terça (26), a Segunda Turma do Supremo examinou um recurso contra prisão do réu após segunda instância, ordenada pelo TRF-4. A ordem não apresentou a fundamenta­ção exigida, nem teria fatos comprováve­is para fazê-lo. Era evidente o reconhecim­ento de que o réu tinha o direito de responder em liberdade ao restante do processo.

Mas Fachin tentou impedir. Pediu vista para reter o que estava à sua vista e compreensã­o ali mesmo. Por sorte do réu, Dias Toffoli frustrou Fachin com um habeas corpus.

É claro que esses casos e seus ardis referem-se a Lula e Dirceu. As turmas do Rodoanel e do Metrô paulistas, entre vários aécios, nem chegam a tais níveis judiciais.

Mas está visto que certas contaminaç­ões fazem mesmo necessária­s as férias de alguns ministros do Supremo, para refletir sobre o que devem ao país. Se algum o fará, é suposição que depende do otimismo dos que esperamos pouco e recebemos cada vez menos.

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