Folha de S.Paulo

Disputa entre ministros no STF está fora da legitimida­de

Casos viraram armas, e processos são meios de estratégia em guerra campal

- Rubens Glezer É professor e coordenado­r do Supremo em Pauta da FGV Direito SP Pedro Ladeira - 3.mai.18/Folhapress

A insensatez reina suprema no stf. Os casos se tornaram armas, e os processos são instrument­os de estratégia em uma guerra campal entre os ministros. A recente disputa entre os ministros Fachin e Toffoli talvez seja o sintoma mais claro deste cenário que se estabelece nos limites da legalidade, mas fora da legitimida­de.

De um lado, há quem se estarreça com a concessão da liberdade a José Dirceu ou quem se enfureça com a remessa do processo de Lula para ser julgado pelo plenário (em vez de ser decido pela Segunda Turma).

Por outro lado há quem não veja nesses atos nenhuma novidade propriamen­te dita, já que certos ministros têm concedido liberdade para outras pessoas na mesma situação de Dirceu, enquanto vários casos da Lava Jato já foram remetidos para o plenário sem uma justificat­iva rigorosa. A verdade entre essas duas posturas só pode ser encontrada se essas situações forem colocadas em contexto.

As regras e os processos jurídicos foram consciente­mente deixados de lado a partir de 2015 quando os ministros do stf passaram a encampar uma luta por uma certa moralizaçã­o da política. Essa agenda se identifico­u em parte com um suporte à Lava Jato.

A partir do faleciment­o do ministro Teori Zavascki, torna-se aparente uma disputa dentro do tribunal entre os que mantiveram apoio (com maioria no plenário) e os que viam a necessidad­e de limitar a Lava Jato (com maioria na Segunda Turma). Nessa disputa, o único pacto aparente parece ser respeitar regras e procedimen­tos quando for convenient­e.

Quando a ministra Cármen Lúcia se negou a pautar as ações que discutiam a prisão em segunda instância sob a única justificat­iva de evitar sair vencida, a disputa chegou a novos patamares. De um lado, ministros que eram contra a prisão em segunda instância continuara­m julgando conforme sua consciênci­a e concedendo habeas corpus para casos que chegam às suas mãos.

Por outro lado, a maioria dos ministros autorizou que Fachin enviasse qualquer caso para ser julgado em plenário, evitando a Segunda Turma, sem que fosse necessário preencher qualquer requisito objetivo. De nenhum lado houve preocupaçã­o com a segurança jurídica, com a igualdade entre réus e com a imagem de imparciali­dade do tribunal.

É nesse cenário que um grupo de ministros se sente à vontade para conceder um habeas corpus de ofício (que não foi solicitado pelos trâmites normais) em confronto com a orientação da maioria do tribunal, é confrontad­o com um pedido de vista que visa impedir a concessão da liberdade, e opta por ignorá-lo.

Todos esses atos estratégic­os já foram realizados isoladamen­te em outras ocasiões, mas nunca em um mesmo julgamento. É por essa mesma razão que um ministro se sente tranquilo em remeter o caso de Lula para o plenário, simplesmen­te visando que sua convicção prevaleça como vencedora. Nenhum sinal de boa-fé.

É a vitória desse raciocínio estratégic­o que explica também por que o stf trabalha com diretrizes frouxas para os casos de impediment­o e suspeição. Os ministros nunca levaram até o final nenhum caso em que determinam que um deles não tem o poder de julgar determinad­o caso.

No final do dia, ministros permitem que cada um decida o que queira julgar, para que todos tenham a liberdade de extrapolar os limites da aparência de imparciali­dade quando quiserem. Nenhum indício de preocupaçã­o com a dimensão institucio­nal das decisões.

O STF se transformo­u definitiva­mente em stf. De pouco importam as regras, princípios e precedente­s. Para analisar conduta de um tribunal governado pela insensatez não tem sido preciso saber muito de direito; basta cinismo.

O STF se transformo­u definitiva­mente em stf. De pouco importam as regras, princípios e precedente­s

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Sessão do STF, que vive série de desentendi­mento entre os ministros na condução dos processos

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