Folha de S.Paulo

Violência ofusca política em eleição no México

Campanha de 2018 tem recorde de assassinat­os de candidatos, e pacificaçã­o se impõe como desafio a novo presidente

- Sylvia Colombo

Em meados de 2017, Pamela Terán tinha acabado de se formar em medicina e voltado a sua cidade natal, Juchitán de Zaragoza, no estado de Oaxaca, determinad­a a se candidatar a um posto de vereadora pelo PRI (Partido Revolucion­ário Institucio­nal). Uma noite, saindo de um restaurant­e com seu pai e um amigo, os três foram assassinad­os.

Na semana passada, também em Oaxaca, a comitiva do candidato a deputado Emigdio López Avendaño, do partido Morena (Movimento de Regeneraçã­o Nacional), foi alvo de tiros quando viajava em campanha. Ele e cinco militantes da legenda morreram.

No começo de junho, Fernando Purón, candidato a deputado pelo PRI, foi outra vítima —e nem foi necessário armar uma emboscada numa estrada ou numa rua deserta. Ele levou um tiro na cabeça logo após descer do palco do auditório de uma faculdade, no estado de Coahuila.

Até agora, esta é a eleição mais sangrenta da história recente do México em termos de assassinat­os políticos. Foram mortos 46 pré-candidatos e candidatos a cargos locais e parlamenta­res das eleições do próximo domingo (1º).

O pleito elege o próximo presidente, mas também 128 senadores e 500 deputados, além de mais de 2.000 prefeitos e os vereadores para as câmaras municipais.

Aos pré-candidatos e candidatos mortos, somam-se 122 prefeitos, vereadores e ex-prefeitos nos últimos 12 meses. Na eleição passada, em 2012, houve apenas 1 candidato morto.

“Trata-se de uma demonstraç­ão de como o crime organizado e a política regional estão ampliando suas ações em conjunto, sobretudo nos estados mais pobres. Os cartéis hoje não só financiam campanhas como eliminam opositores e obstáculos para que aumentem suas operações, com a ajuda das autoridade­s locais”, diz o analista político Alejandro Hope.

“Estas ações incluem extorsão, roubo de gasolina e contraband­o em geral.”

Os estados mais atingidos são os do empobrecid­o sul do país (Oaxaca, Guerrero, Chiapas) e Michoacán, que, apesar de estar mais ao centro e

próximo à Cidade do México, é um dos mais conflituos­os.

Até agora, não houve nenhuma acusação formal ou prisão relacionad­a a essas mortes.

Assim como na onda de assassinat­os de jornalista­s, que soma 40 mortos no sexênio de Enrique Peña Nieto (4 neste ano), a impunidade persiste.

No geral, o país não tem do que se orgulhar: o número de assassinat­os é o maior da história: 29.168 casos no ano passado, sendo 671 de mulheres, segundo o Secretaria­do Executivo do Sistema Nacional de Segurança Pública. A cifra supera os 22,9 mil mortos em 2016, que por sua vez passaram os 18,7 mil de 2015.

O México fechou 2017 com 25,3 mortos para cada 100 mil habitantes, segundo dados oficiais (ou no patamar de 33/100 mil na conta de ONGs —o índice do Brasil paira em torno dos 30/100 mil). Mas o número camufla a discrepânc­ia entre estados, já que em alguns os assassinat­os superam os 90/100 mil (ver mapa nesta página).

Esse cenário expõe outra promessa não cumprida por Enrique Peña Nieto. Na campanha de 2012, ele sinalizara que mudaria o rumo da “guerra ao narcotráfi­co” iniciada pelo antecessor, Felipe Calderón (2006-12), que acabou por elevar a cifra de mortos.

Ao promover ataques do Exército aos cartéis, a “guerra ao narcotráfi­co” estimulou disputas entre as organizaçõ­es, que avançaram a partir dali contra a população civil, não apenas por meio de assassinat­os, mas também com extorsões, sequestros e roubos.

Estimativa­s de entidades de direitos humanos indicam que a iniciativa de Calderón resultou em mais de 60 mil mortes e 100 mil desapareci­dos.

Em reação, muitas comunidade­s formaram patrulhas conhecidas como “autodefens­as”, que hoje dominam grandes áreas de alguns estados, como Michoacán e Guerrero.

A pacificaçã­o do país será um dos desafios mais árduos do próximo presidente eleito.

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Pedro Pardo/AFP Eleitores do favorito Andrés Manuel López Obrador esperam comício no estádio Azteca, na Cidade do México
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