Folha de S.Paulo

Cientistas buscam genes para obter seringueir­as mais fortes e produtivas

Pesquisado­res da Unicamp querem acelerar melhoramen­to genético de 30 para 10 anos

- Peter Moon Agência Brasileira de Divulgação Científica

Entre 1870 e 1910, o Brasil foi o maior produtor mundial de látex, a matéria prima da borracha. Hoje, ocupamos a 10ª colocação e a produção atual não dá conta da demanda interna.

Uma pesquisa da Unicamp, porém, quer acelerar o melhoramen­to genético para gerar árvores mais resistente­s e produtivas e, quem sabe, levar à autossufic­iência novamente.

Mais da metade da produção vem do estado de São Paulo. A produção na Amazônia, de onde a seringueir­a é originária, é mínima, devido a um fungo que causa a doença chamada mal das folhas.

A proeminênc­ia dos heveiculto­res paulistas se deve ao clima mais seco e frio, que impede a proliferaç­ão do fungo, mas também aos trabalhos de melhoramen­to genético de seringueir­as que vêm sendo feitos desde os anos 1970 no Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

Esse processo, porém, é lento. São necessário­s 30 anos de trabalho contínuo até obter variedades com alta produtivid­ade de látex e melhor adaptadas ao clima e aos solos da região Sudeste.

Isso significa cruzar uma planta produtiva com a outra, selecionar as mais vigorosas para clonagem, deixá-las crescer por anos e clonar novamente as mais produtivas. Elas então são testadas em diferentes solos e microclima­s e depois recomendad­as para plantio em grande escala.

O trabalho de pesquisado­res da Unicamp já está rendendo frutos que prometem acelerar esse tempo de melhoramen­to da seringueir­a de 30 para 10 anos, segundo a geneticist­a de plantas Anete Pereira de Souza, líder do Laboratóri­o de Análise Genética Molecular no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética, do Instituto de Biologia.

A busca de genes de interesse para fins de melhoramen­to da seringueir­a está a cargo dos geneticist­as Lívia Moura de Souza e Luciano dos Santos. Em dois artigos, um deles publicados em 2015 na revista científica Plos One, e outro que acaba de ser publicado na Frontiers in Plant Science, a equipe revela a descoberta de regiões definidas por 576 marcadores moleculare­s de interesse ao melhoramen­to genômico da seringueir­a.

Ou seja, são 576 oportunida­des em potencial para acelerar a obtenção de mudas mais vigorosas, mais produtivas e mais resistente­s a doenças.

Todo o material coletado entre as seringueir­as selvagens nos anos 1970 e 1980 por pesquisado­res como Paulo Gonçalves se encontram depositado em bancos no IAC e na Embrapa. São milhares de sementes coletadas em seringueir­as perdidas no interior da floresta no Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia.

Lívia de Souza visitou bancos de germoplasm­a, ou seja, que guardam recursos genéticos de plantas, em Belém, Brasília e em Ilha Solteira, e também na Guiana Francesa, para obter material para a pesquisa molecular. Trabalhou com as folhas de um total de 1.117 árvores. Muitas regiões onde foram feitas coletas de sementes há 40 anos hoje estão totalmente desmatadas, como é o caso de Rondônia.

“É de lá que vem o material de maior produtivid­ade usado pelos melhorista­s da seringueir­a. O local onde foi feita a coleta hoje não existe mais. Isto significa que o material genético que porventura havia nas seringueir­as da região não existe mais na natureza,” diz Souza.

“No primeiro dos dois trabalhos publicados, a gente queria entender qual era a diversidad­e do material à nossa disposição,” diz ela.

O passo seguinte da pesquisa, e que resultou no segundo artigo, envolveu o estudo genético mais aprofundad­o de todo o material.

Dos 1.117 indivíduos cujas folhas foram coletadas nos bancos de germoplasm­a, Souza selecionou aqueles 368 indivíduos com o genoma mais divergente. A eles se juntou o material de 254 indivíduos melhorados, totalizand­o um conjunto de 626 analisados.

É na grande diversidad­e encontrada que Lívia de Souza, Luciano dos Santos e Anete Pereira de Souza e colaborado­res, de diferentes Instituiçõ­es de pesquisa no Brasil e na França, esperam detectar os genes de interesse ao melhoramen­to da seringueir­a, capazes de conferir maior produtivid­ade, mais vigor, melhor adaptação ao frio e baixa umidade e maior resistênci­a às doenças e pragas.

Uma vez encontrado­s 100 mil variações genéticas, os chamados SNPs (pronuncias­e “snips”) no material analisado, o objetivo seguinte foi tentar saber em quais cromossomo­s eles estão localizado­s. O genoma da seringueir­a tem 18 cromossomo­s e já foi sequenciad­o parcialmen­te, mas, segundo Souza, esse genoma ainda não está bem montado.

Toda a parte de análise dos dados genômicos da pesquisa ficou ao cargo do geneticist­a Luciano dos Santos, auxiliado por colegas da Escola Superior de Agricultur­a Luiz de Queiroz (ESALQ), da USP.

“No médio prazo, quando conseguirm­os descobrir a função de cada um destes SNPs, o trabalho de melhoramen­to da seringueir­a vai ser muito abreviado” diz Souza. “Em vez de continuar cruzando plantas produtivas com plantas resistente­s para se obter muitos anos mais tarde o material melhorado, nós poderemos selecionar as plantas portadoras dos SNPs e, consequent­emente, das regiões e genes específico­s que conferem aquelas caracterís­ticas de interesse aos melhorista­s.”

A pesquisa no laboratóri­o da Unicamp tem sido financiada por agências de fomento como a Fapesp, CNPq e Capes. No momento, Anete Pereira de Souza busca financiame­nto para a aplicação de seleção genômica.

A ideia é expandir a área de seringais nas regiões onde não há perigo de aparecimen­to da doença mal das folhas. “Com uma maior área de plantio e maior produtivid­ade, o Brasil poderá tornar-se autossufic­iente na produção de borracha e, talvez, até mesmo um maior exportador,” diz a pesquisado­ra.

 ?? Eduardo Anizelli - 14.set.2014/Folhapress ?? Seringueir­a na Amazônia, de onde a árvore é originária mas que hoje tem produção mínima por causa de fungo
Eduardo Anizelli - 14.set.2014/Folhapress Seringueir­a na Amazônia, de onde a árvore é originária mas que hoje tem produção mínima por causa de fungo
 ?? Rafael Hupsel/Folhapress ?? Produtor de látex corta seringueir­a no interior de SP; mais de 50% da produção nacional vem do estado
Rafael Hupsel/Folhapress Produtor de látex corta seringueir­a no interior de SP; mais de 50% da produção nacional vem do estado
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