Folha de S.Paulo

‘Justa’ mescla política e prostituiç­ão em alegoria sobre as mazelas do país

Com dramaturgi­a de Newton Moreno, peça da Odeon Companhia Teatral estreia hoje em São Paulo

- Maria Luísa Barsanelli

Espécie de desabafo sobre o caos político e social do país, “Justa” mescla dois mundos distintos, mas um tanto próximos: a prostituiç­ão e a política.

A peça, que estreia em São Paulo nesta quinta (28), após temporada no Rio, celebra os 20 anos da Odeon Companhia Teatral, fundada por Carlos Gradim e Yara de Novaes.

Partiu de uma leitura de “Filha, Mãe, Avó e Puta”, livro de Gabriela Leite, que foi prostituta e idealizou a ONG Davida, de auxílio a profission­ais do sexo, e a grife Daspu.

“A história dela me deixou muito comovido pela lisura, pela ética, e por como ela era coesa com o pensamento desde o início”, afirma Gradim, que dirige a montagem. “Ela fala uma coisa muito interessan­te: que seu papel na sociedade é o de um para-raios.

A discussão sobre ética resvalou na corrupção brasileira. Uma tentativa, explica o dramaturgo Newton Moreno, “de entender e se relacionar com um sentido de justiça do país”.

A história apresenta um investigad­or da polícia (Rodolfo Vaz) que acompanha uma série de assassinat­os de políticos brasileiro­s. Sua apuração o leva a um prostíbulo — de irônico nome, Colégio— frequentad­o pelas vítimas.

Local “onde esses sujeitos gastam o nosso dinheiro”, como define uma personagem.

Na casa, ele conversa com diversas prostituta­s (todas interpreta­das por Yara, que se metamorfos­eia em distintos sotaques e posturas corporais). Cada qual com seus modos e suas visões da vidao.

Até que ele conhece Justa, prostituta cega e extremamen­te honesta: é impoluta nos seus modos e nos seus relacionam­entos; não cobra por hora, mas pelo nível de prazer de seus cliente.

O investigad­or acaba enfeitiçad­o por Justa; a honestidad­e dela o excita. Em meio ao tonteio da nova paixão, vai descobrind­o o que aquele prostí- bulo guarda de pistas para os crimes que investiga.

A história é como uma “alegoria para tudo isso que a gente está vivido no país, desses políticos que se vendem, dessa violência que nos rodeia”, diz Gradim, lembrando o estado de sítio e as recentes mortes ocorridas no Rio de Janeiro.

A investigaç­ão, de certo modo, acaba por revelar não somente um assassino, mas muitas das mazelas nacionais.

No âmbito social, também discute-se o papel da mulher e o preconceit­o contra a prostituiç­ão. “É uma inversão”, diz Moreno. “De pensar não a política como a prostituiç­ão, mas a prostituiç­ão como política, de ser uma escolha, uma escolha sobre seu corpo.”

Tudo acontece num cenário singelo de André Cortez, composto de uma mesa, microfones —como os das bancadas no Congresso— e algumas telas. Ali projetam-se de cenas de sexo, aludindo ao prostíbulo, a imagens de raio-X, remetendo à investigaç­ão policial.

Por vezes, funcionam como televisore­s, que exibem o noticiário do crime. Uma referência à profusão de imagens do cotidiano contemporâ­neo e uma discussão sobre aas “fake news”, afirma o diretor.

Como diz uma personagem: “Onde habita uma mentira, enterram-se vários outras”.

Justa

Sesc 24 de Maio, r. 24 de Maio, 109. Qui. a sáb., às 21h, dom. e feriados, às 18h. Até 22/7. Ingr.: R$ 12 a R$ 40. 18 anos.

Há uma inversão. De pensar não a política como a prostituiç­ão, mas a prostituiç­ão como política, de uma escolha sobre o corpo Newton Moreno dramaturgo

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Elisa Mendes/Divulgação Yara de Novaes como a prostituta Justa (e sua bengala) em cena do espetáculo homônimo, que chega a São Paulo

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