Folha de S.Paulo

Messi assume papel de líder e espanta o temor da braçadeira

Craque argentino orientou companheir­os durante o jogo no qual a seleção avançou de forma dramática às oitavas

- -Alex Sabino

Foi impossível não notar. Antes de entrar em campo para o início do segundo tempo, Lionel Messi reuniu os companheir­os de Argentina e arengou a massa.

Pareceu dar instruções e apontar caminhos para que a seleção obtivesse a vaga para as oitavas de final, o que aconteceu com a vitória por 2 a 1 sobre a Nigéria, na terça (26), em São Petersburg­o.

É versão diferente de um Messi tão tímido que ficou petrificad­o quando Diego Maradona o chamou antes do jogo contra a Grécia, pela Copa de 2010, para avisá-lo de que seria o capitão. Lionel foi choraminga­r para seu companheir­o de quarto, Juan Sebastián Verón.

“Ele estava com medo de ter de falar com todos antes de entrar em campo. Eu disse para ele apenas dizer o que estivesse em seu coração”, conta o meia, hoje presidente do Estudiante­s de La Plata.

Na roda antes do início da partida, os outros atletas esperaram pelo incentivo do capitão. Messi tropeçou nas palavras três vezes antes de jogar a toalha. “Na verdade não sei o que dizer.” A Argentina venceu mesmo assim: 2 a 0.

Em situação de desespero, Messi assumiu a liderança. Não de forma tão explícita quanto Javier Mascherano, mas foi um dos líderes intelectua­is do movimento para que Jorge Sampaoli adotasse uma linha de quatro na defesa diante da Nigéria.

As constantes mudanças de peças e do esquema estavam incomodand­o. Com a classifica­ção em perigo, entraram em campo os “históricos”. Os jogadores mais próximos a Messi e que fizeram parte dos vices do Mundial de 2014 e da Copa América de 2015 e 2016.

O principal líder continua sendo Mascherano. O mesmo volante que, a pedido do então técnico Alejandro Sabella, cedeu a braçadeira de capitão para o amigo e camisa 10 em 2011. A ideia era que ele se tornasse um líder nas palavras, não apenas pelo exemplo, como seus companheir­os sempre disseram para tentar desculpá-lo por ser calado demais.

O processo foi lento, mas, na goleada sofrida para a Espanha por 6 a 1 antes do Mundial, Messi foi ao vestiário para distribuir broncas e orientaçõe­s. Ele havia sido poupado do amistoso.

Há o lado ruim. O eterno rumor de que a seleção argentina se tornou um clube de amigos de Lionel, o que ganhou até um apelido: a “mesa chica de Messi” (a mesa pequena de Messi, em espanhol).

Um grupo que forma a espinha dorsal da equipe há quase dez anos. “Alguém achar que jogar pela Argentina porque se dá bem com Messi me faz rir”, afirma Agüero, o mais amigo de todos do capitão.

Jogar, Messi sempre jogou. Mas o fantasma de ter liderança o perseguia, e até Maradona, seu ídolo e treinador na Copa de 2010, reclamou. Mais de uma vez lamentou que o atacante não seja um líder como ele foi em campo.

Na Rússia, o camisa 10 ensaia deixar, aos 31, de ser uma versão adulta do mesmo menino que, com seis anos, na escola Las Héras, em Rosário, não falava com a professora. Tinha uma amiga que era sua intérprete. A docente, Monica Dómina, chamou a mãe dele, Célia Messi, para recomendar que o menino fosse mandado ao psicólogo porque tinha uma autoestima muito baixa.

Monica disse a Célia que Lionel só conseguia se expressar jogando futebol. Para tentar forçá-lo a ser mais expansivo e orgulhoso do que podia fazer, a mãe levava para a escola todos os troféus que ganhava no baby futebol, a versão de categorias de base na Argentina em que se enfrentam sete jogadores de cada lado. Messi morria de vergonha.

“O que eu desejo é que ele jogue [na Copa da Rússia] como se estivesse no campinho do Grandoli”, disse na semana passada Célia Messi, citando o clube infantil onde começou a jogar futebol.

Os amigos de Rosário sabem bem quando começou o processo de mudança do comportame­nto de Messi. Foi em 2012, com o nascimento de Thiago, seu primeiro filho. Foi o momento em que o futebol deixou de ser o centro de gravidade de sua vida.

“Eu tenho por que voltar para casa, e não é simplesmen­te para dormir ou jogar videogame”, admitiu, em uma rara declaração pessoal.

O amadurecim­ento a partir dali o fez se preocupar também em ser exemplo no Barcelona, onde passou a ser capitão em 2013.

Perguntou ao técnico Ernesto Valverde, no ano passado, qual seria seu melhor posicionam­ento em campo para acomodar a chegada do francês Dembélé ao ataque. O normal seria esperar que o recém-chegado se adaptasse a Messi. Não o contrário.

“Talvez por verem nele o maior jogador da história, as pessoas não percebem o quanto entende da tática e das nuances do jogo”, disse Sampaoli.

Ficou tão impression­ado que as câmeras flagraram o técnico, nos minutos finais da partida contra a Nigéria, com a Argentina precisando de forma desesperad­a do gol salvador, falando na linha lateral para o seu capitão. “Vou colocar o Kun [Agüero].”

Não foi possível perceber a resposta à afirmação ou consulta do treinador. Mas Agüero, o grande amigo que Messi tem no futebol, entrou em seguida. E a Argentina ganhou.

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Ricardo Mazalan/Associated Press O técnico Jorge Sampaoli usa telefone durante treino da Argentina

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