Folha de S.Paulo

Mortalidad­e infantil tem 1º aumento desde 1990

Houve piora de 5% no cômputo mais recente; retrocesso está ligado a zika e crise econômica, segundo governo

- Cláudia Collucci e Marina Merlo

O Brasil contabiliz­ou em 2016 o primeiro aumento da taxa de mortalidad­e infantil desde 1990, segundo dados do Ministério da Saúde. Houve 14 mortes de crianças a cada mil nascimento­s, alta próxima de 5% sobre o ano anterior.

Entre as causas para o retrocesso, na avaliação da pasta, estão a epidemia do vírus da zika e a recessão econômica. A primeira, por causar queda de nascimento­s e mais mortes por malformaçõ­es graves.

A segunda estaria ligada a óbitos evitáveis, causados por diarreias e pneumonias, que sofrem influência da perda de renda.

Desde os anos 1990, a taxa vinha caindo em média 4,9% ao ano.

Pela primeira vez desde 1990, houve aumento na taxa de mortalidad­e infantil do Brasil em 2016, e a tendência é que o índice de 2017 também se mantenha acima do registrado em 2015.

A epidemia do vírus da zika e a crise econômica são apontadas pelo Ministério da Saúde como causas do cresciment­o. A primeira, pela queda de nascimento­s (o que traz impacto no cálculo da taxa de mortalidad­e) e de mortes de bebês por malformaçõ­es graves.

Já a crise estaria associada às mortes infantis evitáveis, causadas por diarreias e pneumonias, que são influencia­das pela perda de renda das famílias, estagnação de programas sociais e cortes na saúde pública.

Dados inéditos do Ministério da Saúde analisados pela Folha mostram que desde o começo da década de 1990 (dados de anos anteriores têm critérios diferentes) o país apresentav­a redução anual média de 4,9% da taxa de mortalidad­e. Esse valor estava acima da média global de redução, estimada em 3,2% em relatório do Unicef (fundo das Nações Unidas) em 2017.

No Brasil, a taxa de mortalidad­e de 2016 ficou em 14 óbitos infantis a cada mil nascimento­s, um aumento próximo de 5% sobre o ano anterior, retomando índices similares aos dos anos 2014 e 2013.

Segundo o relatório do Unicef, entre 2015 e 2016 na América Latina a taxa ficou estacionad­a em 18 óbitos infantis por mil nascimento­s. No mundo a tendência de redução se manteve —de 42 para 41.

Para 2017, a previsão no Brasil é que a taxa fique, no mínimo, em 13,6 (contra 13,3 de 2015), mas os números oficiais ainda não estão fechados.

A taxa de mortalidad­e infantil considera o número de mortos até um ano a cada mil nascidos vivos. Monitorase ainda a taxa chamada de mortalidad­e na infância, que considera o número de crianças de até cinco anos mortas a cada mil nascidos vivos. Em 2016, morreram 36.350 crianças nessa faixa etária —19.025 nos primeiros sete dias.

“A tendência é piorar. Ainda não entraram todos os óbitos de 2017, que estão sendo investigad­os”, diz Fátima Marinho, diretora do Departamen­to de Doenças e Agravos Não Transmissí­veis do ministério.

Segundo ela, 2016 foi atípico porque teve queda de 5,3% na taxa de nascimento­s, atribuída à epidemia de zika. “Houve uma mistura de prevenção com interrupçã­o de gravidez.”

Os dados também mostram alta de mortes infantis evitáveis não relacionad­as ao zika.

Entre bebês de um mês a um ano de idade, houve cresciment­o de 2% das mortes. De um a quatro anos, no total, houve aumento de 11%.

Entre as causas, chama atenção o aumento de 12% entre 2015 e 2016 nas mortes de menores de cinco anos por diarreia (de 532 para 597). Centro Oeste, Norte e Nordeste foram as regiões com maiores altas (48%, 25% e 8%, respectiva­mente). Respondera­m juntas por 74% das mortes.

“São causas muito ligadas aos determinan­tes sociais. Com a crise econômica, houve redução de emprego e da renda em geral. As políticas sociais deixaram de ser expandidas”, afirma Fátima.

A Fundação Abrinq relaciona a piora dos indicadore­s infantis ao corte de verbas e contingenc­iamento de orçamentos de programas como o Bolsa Família e a Rede Ce- gonha, de apoio às mães na gestação e puerpério.

Em 2017, por exemplo, a taxa de desnutriçã­o crônica de crianças até cinco anos ficou em 13,1% — contra 12,6% registrada em 2016 e 12,5% em 2015. O índice retorna ao mesmo patamar de 2013.

“Políticas de proteção social não podem sofrer cortes nem ajuste orçamentár­io para o equilíbrio das contas públicas. Isso impacta muito na sobrevivên­cia das famílias pobres e extremamen­te pobres”, diz Denise Cesario, gerente executiva da Fundação Abrinq.

Segundo ela, o reajuste do Bolsa Família não tem levado em conta a inflação do período. Entre 2015 e 2016 teria sido de R$ 3 bilhões, mas ficou em R$ 1 bilhão. Neste ano, a dotação era de R$ 28,7 bilhões, mas, após contingenc­iamento, ficou em R$ 26,5 bilhões.

“Se eu tenho uma criança que ficou mais desnutrida porque os pais perderam o em- prego, a política social busca compensar. Mas quando não tenho expansão, é possível que os efeitos apareçam na mortalidad­e”, afirma Fátima Marinho, do ministério.

Os dados mostram que 20 estados tiveram alta na mortalidad­e infantil em 2016.

Juntos, Amapá, Amazonas, Bahia, Pará, Piauí e Roraima tiveram taxa de mortalidad­e média de 19,6 e aumento de 14,6% ante 2015 —equivalent­e a três vezes a alta nacional. Os únicos estados com redução de taxas em 2016 foram Rondônia, Acre, Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal.

Já São Paulo teve em 2016 a quinta menor taxa de mortalidad­e infantil do país (11,09). Porém também figura entre os que interrompe­ram a tendência de queda: alta de 2,7%, contra a redução média anual de 4,1% entre 1991 e 2015.

Para Vitor Manuel Jesus Mateus, vice-presidente do Conass (conselho dos secretário­s estaduais de saúde), a crise econômica prejudicou o acesso dos usuários aos serviços de saúde, o que pode explicar em parte não só o aumento da mortalidad­e infantil como a piora de outros indicadore­s, como o da taxa de vacinação.

Um a cada quatro municípios do país tem cobertura abaixo do ideal em todas as vacinas obrigatóri­as para bebês e crianças, elevando a ameaça de retorno de velhas doenças.

“Muita gente está sem dinheiro até para o transporte até o posto”, afirma.

Para a pediatra Maria Albertina Santiago Rego, do departamen­to de neonatolog­ia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), o aumento de mortes infantis pode estar ligado à falta de organizaçã­o na saúde.

“A mãe tem que fazer um pré-natal bem feito, de acordo com o risco, e ir à maternidad­e que responda à condição clínica dela e do neném.”

Segundo ela, o pré-natal, especialme­nte os de gestantes de risco e de alto risco, precisa turada ter uma para equipe ser efetivo. bem estru

tiraram “Ao longo obstetra dos últimos e pediatra anos, da coordenaçã­o dos cuidados. Hoje é uma equipe do PSF [Programa de Saúde da Família] que atende. O médico de família está preparado? O Brasil tem educação médica continuada? Eu acho que não.”

As principais causas de mortes infantis são prematurid­ade, malformaçõ­es, asfixia e infecções. Mais da metade, na primeira semana de vida.

Daniel Knupp, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina e Comunidade, diz que há evidência suficiente de que o modelo do PSF na atenção primária reduziu a mortalidad­e infantil nas últimas décadas em comparação com o modelo tradiciona­l, com pediatras e ginecologi­stas.

“Funciona bem mesmo sem as condições ideais, como mais médicos com residência na especialid­ade e uma maior cobertura do programa [hoje, em 65%]”, afirma.

Uma situação observada pelos médicos de família, diz ele, é o desabastec­imento de remédios nos postos e a falta de condições financeira­s das famílias em bancá-los. “Às vezes têm que optar entre comer ou comprar um medicament­o que não encontra no posto.”

Segundo Fátima Marinho, do ministério, foi criado um grupo de trabalho com aca- dêmicos para avaliar as causas desse repique na taxa de mortalidad­e e estudar formas de ação mais urgentes. Vitor Mateus, do Conass, diz que o assunto entrará na pauta da próxima reunião do conselho.

Em dez anos, 10 mil leitos pediátrico­s foram desativado­s

O fechamento de leitos infantis é um outro fator que pode influencia­r nas mortes de crianças, segundo a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). Entre 2010 e 2016, foram desativado­s no país mais de 10 mil leitos de internação em pediatria no SUS —o número foi de 48,3 mil para 38,2 mil. Cerca de 40% dos municípios brasileiro­s não possuem nenhum leito de internação na especialid­ade. Segundo os pediatras, a redução tem impacto direto no atendiment­o, provocando atrasos no diagnóstic­o e no início do tratamento de diarreias e pneumonia. Das 5.570 cidades do Brasil, 2.169 não possuem nenhum leito pediátrico. Entre as que possuem pelo menos uma unidade de terapia intensiva infantil, um terço tem menos de cinco leitos e 66 delas contam com apenas um leito. Fátima Marinho, do Ministério da Saúde, afirma que a falta de leitos pediátrico­s reduz a capacidade de atendi- mento dos casos mais graves. “Se uma criança descompens­a [por diarreia, por exemplo] no interior, é removida para capital, mas vai encontrar pouca capacidade de atendiment­o.”

Segundo relatório da SBP, a mortalidad­e neonatal (número de óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade) por mil nascidos vivos é inversamen­te proporcion­al ao número de leitos disponívei­s. “Não há leitos neonatais na quantidade que essas crianças precisam para ser adequadame­nte atendidas no pós parto”, diz Vitor Mateus, do Conass.

De acordo com Maria Albertina Santiago Rego, da SBP, a escassez de leitos já começa na gravidez de alto risco.

“O número de leitos obstétrico­s para gestantes de alto risco é muito pequeno. Precisa ficar pedindo vaga, as centrais de regulação não dão conta de dar vazão ao número de gestantes de alto risco.”

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Milena Santos Nascimento, 19, que perdeu filha de 1 ano e agora está grávida novamente

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