Folha de S.Paulo

Ricardo A. Pereira

A França é a melhor do mundo e a segunda melhor da Europa

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Ricardo Araújo Pereira Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento

O melhor jogador da Copa, o croata Luka Modric, opera uma burla sobre todos os espectador­es sempre que toca na bola. A gente vê um passe e pensa: parece fácil. Ele recebe a bola e dizemos: também consigo. E depois vamos buscar uma bola, só para confirmar que, de fato, temos um talento até agora ignorado, inclusive por nós, para o futebol. Muito rapidament­e descobrimo­s que, ou a nossa bola está avariada, ou a do Modric tem truque.

E o embuste envolve uma conspiraçã­o global. Nos jogos em que Modric participa, costuma acontecer que os outros 21 jogadores jogam com uma bola parecida com a que a gente tem em casa, mas ele joga com a especial. Não sei qual é o momento em que eles trocam a bola, nem que ilusão usam para que quem assiste não se aperceba da troca, mas está muito bem fei- to. Só que a mim eles não enganam.

Já Olivier Giroud, o centroavan­te francês, é um verdadeiro prodígio. Ele, sim, fez o que nenhum de nós conseguiri­a. Trata-se de um homem cuja profissão é chutar e fazer gols. Em sete jogos não acertou um único chute no gol. Nem um. Zero. É preciso ser um grande jogador para conseguir o lugar de centroavan­te titular da equipa campeã do mundo sem nunca ter cumprido a principal função de quem joga naquela posição.

Bem sei, bem sei: quem sabe de futebol elogia o Giroud. O futebol não é só o gol e o Giroud faz muitas coisas importante­s. Movimentaç­ões. Ocupação de espaços. Temporizaç­ões. Fixação de zagueiros. Certo. Mas eu não tenho estudos suficiente­s para atingir essas erudições. Para mim, ele foi o torcedor que conseguiu o melhor lugar da final. Assistiu mesmo no gramado. Quando entraram aquelas ativistas, achei um milagre que os seguranças não o tivessem levado também.

Na final da Eurocopa, há dois anos, Portugal venceu a França e sagrou-se campeão da Europa. Agora, na final da Copa, a França venceu a Croácia e passou a ser campeã do mundo. Isso significa que a França é a melhor do mundo e a segunda melhor da Europa —o que constitui uma impossibil­idade filosófica, como é óbvio.

Portanto, o resultado de domingo (15) não faz sentido. É uma daquelas violações da lógica que pode mesmo pôr em causa o funcioname­nto do universo. Só vejo uma solução, a bem da segurança de todos: que Portugal seja nomeado administra­tivamente campeão do mundo. Nós aceitamos, em nome da salvação da humanidade.

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