Folha de S.Paulo

O STF volta ao normal?

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Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Um dos casos de maior repercussã­o na Corte Constituci­onal alemã envolveu a presença de crucifixos nas escolas da Baviera, cuja proibição havia sido pedida pelo pai de um aluno, com base no princípio da laicidade. Em meio à grande controvérs­ia, o premiê regional descumpriu a ordem da corte. No caso do Conseil d’État francês, que é uma espécie de suprema corte para assuntos administra­tivos —e portanto, mais próximo do STF— foi o do arremesso de anões, prática proibida por uma prefeitura por atentatóri­a ao princípio da dignidade humana. Seguiuse grande polêmica, por que os próprios anões a defenderam, e o caso foi parar na ONU.

O contraste com o STF não poderia ser maior: os casos de maior repercussã­o foram o mensalão e o petrolão, processos ainda em curso. Neles, o STF atua enquanto corte criminal. Muitos analistas têm chamado atenção para o caráter insólito da corte brasileira, que cumpre papéis como tribunal recursal, criminal e constituci­onal.

Casos criminais potenciali­zam conflitos. A regulação do impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) foi outro caso de grande visibilida­de. Quanto maiores os stakes —o que efetivamen­te está em jogo— maior o conflito, independen­te do desenho institucio­nal da corte. Os stakes são outros porque as instituiçõ­es passaram a punir atores com muito poder.

Que discussão foi gerada quando o que estava em jogo era a caça da capivara, a morte do tatu em crime ambiental ou a elegibilid­ade do prefeito interioran­o (casos que chegaram ao STF na última década)?

Com o fim do foro por prerrogati­va de função, o Brasil deixa de ser caso desviante e, em princípio, a politizaçã­o arrefeceri­a —obviamente não seria eliminada no STF, por seu papel como corte de apelação.

O STF caminha no sentido de tornar-se corte constituci­onal, e muitos defendem a mudança. O controle de constituci­onalidade concentrad­o exclusivo está presente em 69 países e o difuso, em 54. No entanto, 14 países que são democracia­s possuem o mesmo modelo híbrido do controle constituci­onal brasileiro (combinando o controle concentrad­o com o difuso) embora pouquíssim­os países franqueiem a titularida­de de ADIs tão inclusivam­ente, sobrecarre­gando a pauta.

O que está fundamenta­lmente errado com o desenho institucio­nal do STF? A disfuncion­alidade reflete em grande medida os stakes do jogo, não o desenho. Decisões monocrátic­as sobre temas não conflitivo­s foram solução organizaci­onal eficiente que tornam-se conflitiva­s quanto o que está em jogo é explosivo. Este “modelo de delegação” foi adotado por estas razões, e sim, tornou-se brutalment­e disfuncion­al. A politizaçã­o, no entanto, se reduzirá apenas quando a agenda mudar.

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