Trilha urbana abafa música instrumental em trens do Metrô
Das 18 estações da linha 3-vermelha, em só 5 delas era possível ouvir alguma canção; projeto custa R$ 39 mil/mês
Quando tocam, as músicas instrumentais do Metrô são abafadas por uma trilha sonora urbana bem peculiar, produzida dentro dos próprios vagões. São rimas de ambulantes que satirizam a segurança para, de quebra, vender suas bugigangas, batalhas de rap improvisadas e interativas, duplas de violão e caixote na mão que fazem o público entoar hits populares.
As canções do Metrô de SP, que desde sexta (6) criou um set list com 200 músicas tipo elevador, que passeiam por ritmos como bossa nova, samba, MPB e jazz, viraram, no aperto e na correria do dia a dia, simples coadjuvantes.
É mais ou menos como se uma orquestra tentasse afinar os instrumentos e acertar o retorno enquanto a plateia comesse salgadinho, falasse ao celular e cantarolasse, tudo ao mesmo tempo.
“Quem consegue ouvir? Está tocando alguma coisa?”, pergunta a faxineira Joziele Mattos, 38, mexendo na carteira, à procura de moedas para comprar barras de chocolate Kit Kat, por R$ 1 cada uma.
“Agora que a porta fechou e o segurança não barrou, a promoção voltou”, anuncia, em tom elevadíssimo, o vendedor.
Joziele não se deu conta, mas, sim, estava tocando uma música instrumental bem baixinho dentro do vagão G-133, próximo à Patriarca, rumo à estação Corinthians-Itaquera, às 17h50 deste sábado (14).
Se era difícil ouvir a canção, aplicativos usados para reconhecer música tampouco obtinham sucesso na busca. Às 15h, eles nem precisaram ser acionados na estação Palmeiras-Barra Funda. Lá, não tinha música ambiente alguma.
“Achei bacana a iniciativa. Tocou Seu Jorge nesta semana. Só não sei qual foi a música. Hoje [sábado], peguei o metrô do Brás até a Barra Funda, mas não ouvi nada nem no metrô nem na estação”, disse Barbara Ariella, 24, autônoma.
Das 18 estações da linha 3-vermelha percorridas pela reportagem no sábado, em apenas 5 delas era possível ouvir alguma canção.
O Metrô disse que vai investigar o que ocorreu. Segundo a companhia, nas 55 estações das linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha a música ambiente já deveria estar rolando.
Dos 142 trens que cobrem essa malha, o processo de implantação nos vagões ainda é gradual, ou seja, nem todos os carros estão musicados.
Ao custo de R$ 39 mil mensais, o projeto prevê mudar a seleção quinzenalmente. Hoje, constam canções como “Água e Vinho”, de Egberto Gismonti; “A Banda” e “Roda Viva”, de Chico Buarque; “O Leãozinho”, de Caetano Veloso; “Samba da Minha Terra”, de Dorival Caymmi; choros do flautista Altamiro Carrilho, para ficarmos no repertório clássico nacional.
Somente em taxas do Ecad (que cobra sobre o direito de execução das músicas), o valor gasto pela companhia gira em torno de R$ 15 mil.
A escolha das canções tem como propósito agregar conhecimento musical, como a apresentação de músicas clássicas, à musicoterapia, com o intuito de tornar o ambiente de deslocamentos uma área mais calma, menos estressante a quem circula pela cidade.
“Se era para acalmar, está tendo um efeito contrário. Tem ambulante que, para ser ouvido, berra ainda mais”, conta a estudante Raquel Castro, 18, moradora de Aricanduva (zona leste de São Paulo).
A partir desta semana, a CC&P (Cia. de Comunicação & Publicidade), contratada pelo Metrô, deve começar uma pesquisa para saber a opinião dos passageiros a respeito da trilha sonora das estações.
“Antes de colocar no ar, a empresa deveria ter ouvido quem usa o metrô diariamente”, critica a cuidadora Patrícia Rocha, 38. “Achei esse projeto nada a ver. Nos países desenvolvidos, você vê músicos tocando nas praças e até no metrô. Incentivam a cultura. Aqui, parece que as coisas não são feitas para atender aos interesses da população, que é quem paga a conta.”
O produtor cultural Igor Sganzerla, 24, diz que músicos são impedidos pelos seguranças de tocarem nos trens. “Esse projeto deles é uma forma de desarticular esses artistas.” No vagão H-671, uma dupla consegue furar o bloqueio dos homens de preto. Um garoto de caixote na mão e outro de violão pendurado no pescoço —chapéu para a gorjeta estendido entre eles— posicionam-se próximos às portas. Em sintonia, engatam o hit “Que Nem Maré”, de Jorge Vercillo. O vagão se anima e explode em coro: “Nada vai me fazer desistir do amor. Nada vai me fazer desistir de voltar todo dia pro seu calor. Nada vai me levar do amor”.
Passa das 19h quando uma garotinha, aparentemente com sete anos, embarca suja e descalça na estação Guilhermina-Esperança, em direção à Barra Funda. Naquele momento, um silêncio orquestra dotoma conta do vagão K-143. Acriança caminha com parcimônia. Estende amão em busca de um trocado. Alguma coisa está fora da ordem.
“Peguei três vezes o metrô e ainda não ouvi nem nos vagões nem nas estações. Achei esse projeto nada a ver. Lá fora, eles incentivam artistas a se apresentarem para a população. Aqui, parece que as coisas não são feitas para atender ao interesse dos passageiros. Gostaria que fosse música ao vivo
Patrícia Rocha, 38, cuidadora
Achei bacana a iniciativa. Tocou Seu Jorge na semana. Só não sei qual música. Hoje [sábado], peguei o metrô do Brás até a Barra Funda, mas não ouvi nada nem no metrô nem na estação
Barbara Ariella, 24, autônoma
Às 14h20, estava tocando um saxofone na estação Artur Alvim, mas não sei quem era. Não conheço esse tipo de música, mas gostei. Nunca teve música no metrô Jaqueline Silva, 18, administradora