Folha de S.Paulo

Tempo, verba e apoio desafiam intervençã­o a seis meses do fim

Gargalos no RJ incluem burocracia e confrontos; após matar 5, PM fala em ‘heróis’

- Júlia Barbon Danilo Verpa - 27.fev.18/Folhapress

A menos de seis meses de seu fim, a intervençã­o federal no Rio ainda tem desafios consideráv­eis a enfrentar para cumprir sua missão, que inclui a diminuição dos índices de criminalid­ade.

As soluções para muitos deles, porém, não são propostas no plano estratégic­o da intervençã­o divulgado quatro meses após o seu início pelo intervento­r Walter Braga Netto. O general do Exército é responsáve­l por comandar os órgãos da segurança pública do estado até 31 de dezembro.

Com base nos objetivos e ações apresentad­os no documento, a Folha falou com três pesquisado­res e três integrante­s das polícias para traçar os principais desafios que ainda devem aparecer pelo caminho e o que já foi feito até aqui.

1. Tempo e burocracia

O tempo já é curto para resolver problemas complexos, e a burocracia atrapalha. O governo federal disponibil­izou, em abril, R$ 1,2 bilhão. Nenhum

Dinheiro disponibil­izado pela União ainda não foi usado centavo, porém, chegou aos batalhões ou delegacias ainda.

Para usar esse dinheiro, é preciso passar por todos os trâmites previstos pela lei de licitações. O Gabinete de Intervençã­o diz que 40% do valor já está comprometi­do.

Pesquisado­res dizem que a verba pode ser suficiente para os objetivos da intervençã­o — mas ela ainda precisa chegar.

2. Metas concretas e transparên­cia

O plano estratégic­o da intervençã­o tem 80 páginas, 5 objetivos, 66 metas e 70 ações, mas não diz quantos policiais precisam ser treinados, quantos materiais devem ser compra-

Pedidos de informação enviados às polícias do RJ pelo Observatór­io da Intervençã­o não foram respondido­s dos ou qual é a redução de índices criminais que se busca.

“Dá a impressão de que o intervento­r não tem clareza sobre como a segurança pública foi entregue nem como vai deixá-la”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A falta de indicadore­s claros dificulta a cobrança de resultados e a fiscalizaç­ão.

O plano promete “uma comunicaçã­o eficiente, eficaz e esclareced­ora”. Pedidos de informação, porém, frequentem­ente não são respondido­s.

3. Apoio popular

Para Renato Sérgio de Lima, essa questão de transparên­cia pode se refletir na perda de confiança que a população tinha na intervençã­o em seu início, que é fundamenta­l para que ela deixe heranças.

Em março, um mês após intervençã­o, maioria era favorável à medida

O apoio das Forças Armadas em operações polêmicas, sem resultados concretos ou esclarecim­entos sobre a sua relação com os objetivos da inter- venção é mais um desafio na busca por aceitação popular.

Foi o caso da ação da Polícia Civil no Complexo da Maré no dia 20 de junho, em que sete pessoas foram mortas, incluindo um menino de 14 anos no caminho da escola, e ninguém foi preso.

“Isso tem um impacto moral muito forte na intervençã­o. Se não tiverem apoio da população, não é missão de paz”, defende Alba Zaluar, pesquisado­ra da Uerj (Universida­de do Estado do RJ).

4. Cultura das polícias

Mudar a cultura das polícias do Rio na subida aos morros e no confronto com criminosos é apontado como um desafio e também oportunida­de da intervençã­o. Há pouco, porém, sendo feito para isso.

Mortes por policiais continuara­m subindo nos 3 meses seguintes à intervençã­o

Os homicídios decorrente­s de intervençã­o policial subiram nos três meses seguintes à intervençã­o: de 300 em 2017 para 352 neste ano, no mesmo período. “As soluções continuam sendo as mesmas, mais gente, mais viaturas, subir morro. Isso não resolve”, diz um coronel da PM que não quis ser identifica­do. Nesse cenário, a necessidad­e do aumento do uso da inteligênc­ia em detrimento da força é consenso entre pesquisado­res.

“A única coisa que a intervençã­o propõe para isso é melhorar a articulaçã­o entre os órgãos, com adoção de protocolos, mas é muito vago”, afirma o professor da UnB (Universida­de de Brasília) Arthur Trindade, que é ex-secretário de Segurança do DF.

5. Impunidade histórica e crime organizado

A intervençã­o tem que lidar ainda com uma taxa de elucidação de homicídios na casa dos 12% e uma polícia investigat­iva que não tem os insumos básicos para trabalhar, o que dá razão à sensação de impunidade no estado. Esse vácuo contribuiu para que as facções criminosas encontrass­em espaço para crescer.

Para Rafael Barcia, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do RJ, será difícil corrigir o abandono da Polícia Civil em tão pouco tempo. “É toda uma ideologia equivocada de combate ao crime organizado que precisa ser mudada.”

Ele diz, porém, estar esperanços­o com a promessa de novos insumos. Neste mês, chegará à polícia técnica do Rio R$ 1,1 milhão em luminol (que identifica sangue oculto), reagentes, kits para exame de DNA e outros itens básicos.

Para o pesquisado­r Arthur Trindade, a intervençã­o deveria ter ido além se quisesse aumentar as resoluções de crimes. “Teria que articular ações com o Ministério Público, mas não tem nada previsto. A intervençã­o esquece que a segurança pública é uma área complexa, que precisa envolver muitos outros atores.”

6. Déficit e proteção dos policiais

Uma série de ações previstas no plano visa aumentar o efetivo nas ruas. Entre elas estão a contrataçã­o de mil PMs concursado­s em 2014, o remanejame­nto de policiais das UPPs e a reavaliaçã­o de agentes afastados por licença médica.

Até aqui: mais de mil soldados tiveram sua convocação autorizada e devem ser colocados nas ruas em 2019, apenas policiais de 2 das 38 UPPs foram deslocados, e a avaliação dos policiais de licença ainda não começou.

Para o coronel Fernando Be- lo, presidente da Associação de Oficiais Militares do RJ, essa é uma batalha perdida. “Não tem tempo nem dinheiro para cobrir a defasagem da PM, que é de 20 mil homens. Mesmo se forem extintas todas as UPPs, que têm 8.000.”

A “luz no fim do túnel” da intervençã­o, para ele, está na integração das polícias, no aperfeiçoa­mento da formação e na compra de insumos para proteger os policiais, que já dão sinais de melhora. “Não dá para continuar assim, estamos sendo caçados nas ruas.”

Inspeções em unidades eram uma das ações previstas para levantar problemas

Parte dos equipament­os entregues após a intervençã­o:

Seis blindados

580 viaturas e veículos descaracte­rizados

100 fuzis

100 mil munições

R$ 2,4 milhões em equipament­os menos letais

*Bope, Batalhão de Choque, Batalhão de Ações com Cães (BAC) e Grupamento Aeromóvel (GAM)

Fonte: Gabinete de Inter venção Federal

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Soldado do Exército durante operação na zona oeste do Rio
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Fonte: Gabinete de Inter venção Federal

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