Relatório federal diz que contaminação no Pará pode ter origem fora da Hydro
Comitê aponta poluição crônica de lixão como possível causa de degradação de água em Barcarena
Relatório do comitê da Casa Civil criado para acompanhar a contaminação ambiental em Barcarena (PA) afirma que a poluição da água no entorno da refinaria de alumina norueguesa Hydro Alunorte, investigada por um suposto transbordamento de rejeitos sólidos, pode ter origens crônicas, como o lixão municipal a céu aberto.
“A precariedade dos serviços disponíveis à comunidade —agravada pelo fato de se localizar em área não regularizada— potencializa o incidente. Assim, o comitê federal deve analisar a contaminação ambiental em Barcarena sem perder de vista o contexto no qual a região se insere”, afirma o relatório.
Resultado de uma visita in loco, o relatório não endossou a principal conclusão do Instituto Evandro Chagas (IEC), ligado ao Ministério da Saúde, segundo o qual a origem da contaminação da água foi o suposto transbordamento de uma das bacias de rejeitos sólidos da Hydro em 17 de fevereiro, durante um período de fortes chuvas.
Em vistoria feita no final de abril, o comitê identificou como uma possível fonte poluidora um canal que leva o chorume do lixão a céu aberto a uma nascente do rio Murucupi —na verdade um pequeno córrego que atravessa comunidades da região.
Essa possibilidade não foi levada em conta pelos laudos do IEC, cuja análise da água no rio Murucupi encontrou teores elevados de alumínio, ferro, cobre e chumbo, entre outros metais.
Segundo o pesquisador Marcelo Lima, a análise química não deixa dúvidas de que a contaminação veio de efluentes oriundos da Hydro Alunorte durante o suposto transbordamento.
Ele afirma que, pela posição geográfica do ponto de coleta, o lixão não poderia ter tido influência no resultado e por isso não foi levado em conta.
O pesquisador admitiu, no entanto, que o relatório final do IEC, em fase de prepara- ção, mostrará como o lixão “piora ainda mais a situação quando ocorre contaminação a partir da Hydro Alunorte”.
Outra divergência entre o IEC, sediado em Belém, e o comitê —formado pelo Ibama e por quatro ministérios (Casa Civil, Saúde, Integração Nacional e Direitos Humanos)— se refere ao impacto do despejo no rio Pará da água de chuva não tratada que inundou parte da refinaria durante a tempestade de 17 de fevereiro.
Essa irregularidade foi admitida pela Hydro em meados de março. Pelo fato de o ponto de despejo ser distante das comunidades, a ação está relacionada às inundações ocorridas nesses bairros.
Para o comitê, incidentes como o ocorrido no rio Pará provocam “poluições de caráter agudo” no local atingido, “com a tendência de retorno às condições anteriores dias após o fato”.
“O IEC não pode afirmar isso, pois essa resposta somente pode ser dada com estudos e análises continuados após cada incidente que gera poluição. Em relação aos ocorridos no dia 17 de fevereiro e posteriormente a esse, o IEC mostra em relatórios que as contaminações perduraram por semanas”, contesta Lima.
Barcarena tem o pior saneamento entre as cidades brasileiras de grande porte (acima de 100 mil habitantes), segundo o ranking da Associação Brasileira de Engenharia Sanitário e Ambiental (Abes).
A cidade, próxima a Belém, não dispõe de tratamento de esgoto nem destinação adequada de resíduos sólidos. O abastecimento de água é de apenas 24%.
Nas comunidades do entorno da refinaria da Hydro, quase não há água encanada. A população se abastece em poços rasos próximos às casas, sem nenhum tratamento.
Criado nos anos 1970, o polo industrial de Barcarena ainda não possui licença ambiental. Além disso, foi criado sobre uma área ocupada por comunidades tradicionais, gerando conflitos fundiários sem solução até hoje.