Folha de S.Paulo

Três relatos ridículos

‘Coletivos’ vigiam em festas o comportame­nto dos meninos que gostam de meninas

- Ricardo Cammarota - Luiz Felipe Pondé Escritor e ensaísta, autor de ‘Dez Mandamento­s’ e ‘Marketing Existencia­l’. É doutor em filosofia pela USP

Então, ela me diz, com voz abafada: “As festas na escola viraram um inferno para as meninas, como eu, que gostam de meninos”. Eis o primeiro relato ridículo.

A escola pode ser tanto uma instituiçã­o de nível médio como superior. O tipo de inferno descrito é o mesmo. Descrevers­e como pertencent­e a um grupo definido como “meninas que gostam de meninos” soa um tanto estranho para quem não convive com os jovens de hoje, esmagados entre todo tipo de modinha identitári­a que quer, a todo custo, dizer que “meninas que gostam de meninos” não são maioria.

Minha fonte (são muitas, na verdade) tem medo de ser identifica­da na escola como sendo aquela que denunciou o inferno em que se transforma­ram as festas. Que inferno é esse, afinal?

Um nova prática ocorre nes- sas festas. “Coletivos” vigiam o comportame­nto dos meninos que gostam de meninas.

Esses coletivos pretendem garantir que não haverá assédio. O clero medieval mais tarado não teria uma ideia tão diabólica em suas condenaçõe­s ao pecado da carne. Como se vigia isso numa festa? Você fica olhando de perto os casais héteros possíveis? Você exigirá ouvir as conversas deles? Obrigará aos meninos fazer uma confissão de “intenção culposa” a priori?

Ou os beijos seriam supervisio­nados? Como passar as mãos, de forma privada, nos seios das meninas que gostam de meninos? Tanto os meninos quantos as meninas precisam ser detalhadam­ente escrutinad­os em seus comportame­ntos se quisermos ter certeza de que o “amasso” é politicame­nte correto. O velho ódio ao sexo está por detrás desses “coletivos”.

Haverá, como havia na Cuba revolucion­ária, “métodos de analise de comportame­nto”, nesse caso, para identifica­r como um menino que gosta de meninas paquera ou assedia? Na Cuba revolucion­ária, tais “métodos de análise de comportame­nto” eram dedicados a identifica­r o que os marxistas de raiz chamavam de “degeneraçã­o burguesa”, a saber, o homossexua­lismo (termo fora de uso hoje).

Os meninos, então, tornamse tímidos, temerosos de estarem cometendo algum “delito de comportame­nto” e, por consequênc­ia, afastam-se das meninas que gostam deles, inclusive, por temerem que, em algum momento, serão objeto de denúncia. Todo mundo que não é mentiroso sabe que a “caça às bruxas” em matéria de comportame­nto moral sempre deságua em taras inquisitor­iais. Tais “coletivos”, na verdade, nada mais são do que espíritos fascistas, com pautas novas de violência.

Um amigo europeu me conta, assustado, que lá, no continente perfeito, um movimento cresce, chamado “igualdade na aviação”. Eis o segundo relato ridículo. E o que é essa “igualdade na aviação”?

Trata-se da pressão para acabar com a classe executiva e distribuir o espaço dentro do avião de forma igualitári­a. Risadas? Alguns milímetros a mais. E o mundo se dobraria à inveja, ao ressentime­nto e à raiva. Nunca mais um pessoa teria o direito de trabalhar mais e pagar uma classe executiva para seduzir ainda mais sua namorada apaixonada.

Nunca mais, depois de anos de trabalho, alguém poderia pagar no cartão em cinco vezes sua viagem dos sonhos até o Japão de classe executiva, aos 70 anos.

Uma amiga, também da Europa, indignada, me conta que há um novo ativismo radical na França. Eis o terceiro relato ridículo. Não se trata de fundamenta­lismo islâmico matando ocidentais sujos, mas sim de fundamenta­listas veganos ameaçando açougueiro­s franceses. Risadas?

Frases como “carne é assassinat­o” e “basta de especismo” são pintadas nas vitrines dos açougues. A raiz conceitual é o trabalho do filósofo Peter Singer. Segundo este utilitaris­ta, animais são seres sencientes: podem não ter consciênci­a da dor como nós, mas têm o bastante em termos de sensibilid­ade, logo, não podemos pensar neles como “comida”, como se fossem objetos.

A analogia é com o racismo, que entendia que negros eram inferiores e, por isso, eram “feitos” para a escravidão. “Especismo” é achar que os animais seriam inferiores e, por isso mesmo, podem ser comidos.

A analogia é linda, mas a ideia é típica de quem fica muito tempo no escritório delirando. A natureza se devora. Alimentar crianças só com rúcula é coisa de torturador infantil. Modinha de riquinho entediado.

É tudo pecado para esses ridículos. Assim como nos outros relatos ridículos, o mundo avança, de novo, para viver sob o controle da mente inquisitor­ial que odeia tudo que não cabe na cabecinha e na vidinha dela.

Mundo feio este. Sem sexo, sem conforto e sem gosto.

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